Mobilizados pela Estatística
O Governo propôs e as instituições europeias aceitaram uma alteração estatística que cria duas novas Nomenclaturas das Unidades Territoriais para fins Estatísticos (NUTS) de nível 2 no Território do Continente. As novas unidades criadas abrangem a Península de Setúbal e o Oeste e Vale do Tejo e parcialmente capturam para efeitos estatísticos territórios antes incluídos na NUT Alentejo.
Lida de uma forma estática esta alteração pode ter um efeito estatístico negativo na NUT Alentejo, porque reduzindo a população, esta pode deixar de ser considerada de objetivo 1 e isso ter consequências quer no valor dos fundos de coesão alocados, quer nas elegibilidades, quer nas percentagens de comparticipação.
Nada disto impacta com o atual ciclo de programação. As alterações estatísticas não se aplicam à finalização do Programa Alentejo 2020 nem ao emergente Alentejo 2030. Também não terá qualquer impacto no Programa de Recuperação e Resiliência.
Só um eventual programa Alentejo 2040, a começar a desenhar a partir de 2027, poderá ter algum impacto, mas até lá muitas coisas vão acontecer, umas que poderemos controlar e outras não. Nas que podemos controlar temos que ser exigentes, ambiciosos e determinados para que se a NUT deixar de ser de coesão e passar a ser de convergência, isso não decorra de um efeito estatístico, mas de um forte impulso de desenvolvimento.
Até à aprovação do Quadro Plurianual de Financiamento pós 2027 muitas coisas podem mudar no mundo e na União Europeia. Basta que se concretize a adesão plena da Ucrânia, desejo apoiado pela grande maioria dos cidadãos europeus, para que os referenciais estatísticos de cálculo e de divisão entre territórios de coesão e de convergência se alterem radicalmente.
A questão chave, no entanto, é outra. A coesão é um patamar para a convergência. A nossa ambição não deve ser manter-nos menos desenvolvidos para termos direito a fundos europeus, mas sim usar os fundos europeus e os fundos nacionais para nos desenvolvermos.
A decisão do Governo tornou ainda mais insustentável o cenário de chegarmos ao inicio da próxima década económica e socialmente como território de coesão e estatisticamente como território de convergência.
Temos por isso que ser exigentes connosco mesmos na formulação de muitas e boas candidaturas e exigir a uma só voz do Governo e das Instituições Europeias a sua viabilização rápida para gerar uma dinâmica de atração de investimento que permita entrar em 2030 motivados pelas estatísticas, mas sem depender delas para o nosso futuro
O Visionário
Passaram já alguns dias sobre a infausta noticia da morte do Comendador Manuel Rui Azinhais Nabeiro. Na hora da despedida Portugal fez-lhe mais uma vez justiça. Desde os seus mais próximos, familiares, amigos, colaboradores, até aos mais altos responsáveis, todos foram unânimes no reconhecimento da sua singularidade e do seu percurso de homem bom, que fez escolhas e tomou decisões com risco e coragem, tendo sempre presente o outro, a terra que o viu crescer, o País que era o seu e os valores políticos socialistas que perfilhava com orgulho.
Tudo o que foi dito e escrito sobre o Comendador não foi demais. Tive oportunidade de partilhar os meus sentimentos e a minha homenagem em privado e também nalguns órgãos de comunicação social que me contactaram e nas minhas redes sociais. Um dos sinais da grandiosidade e ao mesmo tempo da humildade de Rui Nabeiro é a quantidade de pessoas que se sentiram e sentem seus próximos.
Tendo o Comendador como um amigo e uma referência, só ocasionalmente lhe fui próximo, mas mesmo assim vêm-me à memória múltiplas histórias inesquecíveis, conversas, trocas de ideias, conselhos, que foram desde o futebol, ao desenvolvimento do Alentejo e do País, às coisas do mundo e até a um potencial investimento em terras do sol nascente, que não avançou porque “um negócio que não podia já ver crescer com os seus próprios olhos, por estar longe demais, não era negócio para ele”.
Neste texto partilho uma pequena história que traça bem a inteligência, a sabedoria e o caracter visionário do Comendador. Em 1995, escrevi a convite do IAPMEI um livro intitulado “Gestão da Informação - Condição para Vencer”. O livro era acompanhado de uma Cassete Vídeo com entrevistas e descrição de casos práticos. Um desses casos era o caso da DELTA e o entrevistado Rui Nabeiro.
Na entrevista, e dispensando as descrições técnicas dos equipamentos, o Comendador explicou como os seus vendedores estavam já equipados com máquinas de registo automático de encomendas que descarregavam para a empresa por linha telefónicapraticamente em tempo real, dando inicio de imediato ao processo de resposta e ganhando assim uma vantagem concorrencial decisiva. Para ele a empresa era tudo o que sabemos que era, mas para o ser, era primeiro que tudo o cliente.
Também na adoção de novas tecnologias de informação e de controlo de qualidade a DELTA foi pioneira em Portugal. Não foram consultores reputados que convenceram o Comendador a ser líder. Foi ele guiou os especialistas na construção de uma resposta tecnológica que fez a diferença.
Mobilização Geral
A pandemia e a penetração cada vez maior das redes sociais e dos contactos virtuais navida quotidiana, abafou e enfraqueceu o tecido relacional nas nossas sociedades. É verdade que algumas iniciativas, como os grandes concertos de ar livre ou os grandes espetáculos desportivos parecem ter quebrado o bloqueio. Também as feiras e romarias que fazem parte da nossa identidade têm tido esse papel fundamental de reencontro das pessoas consigo mesmas e com os outros, em particular com as comunidades em que se inserem, em modo presencial.
Faltava, no entanto, o reencontro e a recuperação da identidade partilhada de grupos profissionais que se viram forçados a trabalhar de casa ou a manter distanciamentos sociais forçados durante a pandemia e depois dela. A explosão de rua que tem acontecido em Portugal e em muitos outros países democráticos e livres na Europa e fora dela, têm fundamentos reivindicativos que não são o tema desta crónica, mas refletem também a força do reagrupamento, do sentido de pertença, da agregação pelas causas.
Tenho muitos amigos que têm estado envolvidos nas lutas profissionais que têm atravessado a nossa sociedade. Além da convicção de justiça, move-os também a possibilidade de voltarem a gritar juntos palavras de ordem, a partilhar canções e slogans, a sentirem-se parte de um movimento com um propósito.
Reiterando que não estou a analisar conteúdos nem contextos das várias “lutas”, esta nova capacidade de mobilização é um bom sinal de vitalidade democrática e pode e deve ser aproveitada para outros combates em que temos que nos unir e trabalhar juntos.
Desde há algumas semanas sou o relator permanente da Comissão de Desenvolvimento do Parlamento Europeu para a Ajuda Humanitária. Neste momento, um em cada 23 seres humanos necessitam de ajuda humanitária de emergência para sobreviverem. O deficit de financiamento é brutal e as condições para intervir em muitos territórios assolados por catástrofes climáticas, terrorismo ou guerra são cada vez mais difíceis.
As sociedades democráticas acordaram para as intoleráveis injustiças do atual modelo de crescimento. A mobilização geral para defender o que nos diz respeito e influencia o nosso dia a dia é um direito e também uma prova saudável de compromisso com o futuro que queremos. Acredito que essa mobilização fará também despertar a empatia coletiva com todos os que sofrem no Planeta que partilhamos. Como dizia uma das canções mais marcantes de abril, somos livres, somos livres de voar, em nome daliberdade com dignidade e justiça.
Não, Manuela!
Segundo Manuela Ferreira Leite, ex-Ministra das Finanças, candidata vencida a Primeira-Ministra e “ex” muitas outras coisas, incluindo a de ser deputada eleita pelo Círculo Eleitoral de Évora entre 1995 e 1999, Portugal caminha para ser “o Alentejo da Europa, uma região muito bonita, extremamente atrativa, ótima para se descansar, para apanhar sol, comer bons petiscos, mas morta e sem vida”.
Não, Manuela! Chamar a uma região “atrativa, mas morta e sem vida”, é uma contradição em si mesmo. A sua visão do Alentejo, embora tenha representado a Região num momento decisivo para o seu desenvolvimento, nem sequer é de turista, porque os nos visitam e se apaixonam por estas terras sentem a sua vida fervilhante, o seu vagar profundo, a sua capacidade de ser diferente, mas aberta ao mundo.
Não Manuela! Não ousando pensar que a atraem os cemitérios, imagino-a antes uma frequentadora ocasional dos excelentes lugares de pousio e de restauração que se espalham pelas nossas cidades, vilas e aldeias, mas sem a capacidade de olhar e de perceber tudo o que rodeia esses espaços de bem receber. Não sabe o que perde Manuela.
O Alentejo está vivo e recomenda-se. Está vivo pelo que é e por aquilo que não desistiu de ser. Está vivo porque tem em Sines um Hub multifuncional de transportes, energia e dados como há poucos na europa e no Mundo. Está vivo porque tem no Empreendimento de Fins Múltiplos do Alqueva uma fonte de riqueza imensa e única. Está vivo porque tem uma rede universitária e politécnica forte e liderante em muitas áreas do conhecimento. Está vivo porque atrai cada vez mais empresas em tecnologias de ponta, na aeronáutica, na robótica, na agropecuária, nas energias limpas, nos serviços especializados e em tantas outras coisas. Está vivo porque através de uma das suas cidades (Évora) será a região capital europeia da cultura em 2027, algo antes só conseguido em Portugal, por Lisboa, Porto e Guimarães. Está vivo porque os alentejanos estão vivos e porque há cada vez mais gente a juntar-se a nós (e mesmo os que para aqui vêm trazidos pelas redes de mão de obra barata anseiam para que os integremos como merecem e lhe devolvamos a dignidade).
Não, Manuela. Não está tudo bem no Alentejo. Há muitas carências e a longura tem custos para muitos. Somos uma região envelhecida, mas não somos uma região velha.Muitos partem com o desejo de um dia voltar. Temos orgulho do que somos, mas não nos esquecemos do que ainda não somos. Dormimos a sesta, apanhamos sol e petiscamos, mas estamos determinados a enfrentar os desafios do futuro e a vencer. Há quanto tempo não “vê” o Alentejo, Manuela?
Sol e Sombra (O indicador psicológico)
Assinalámos recentemente os cinquenta anos do então Grande Prémio TV da Canção Portuguesa (percursor do atual Festival da Canção) em que Ary dos Santos e Fernando Tordo fizeram uma enorme faena à censura, conseguindo vencer com uma composição intitulada “Tourada”, cuja letra era uma inspirada alegoria sobre a decadência do regime. Um ano depois, o 25 de abril de 1974 rasgou avenidas de esperança e de liberdade. Vivemos hoje incomparavelmente melhor do que nesse tempo e o “inteligente” é o povo, soberano nas suas escolhas escudadas numa Constituição da República, democrática e progressista.
Em Portugal e um pouco por todo o mundo democrático, em que são os povos quem manda, tem vindo a crescer uma vaga de crispação social, que decorre por um lado dosfatores económicos emergentes da pandemia e da guerra, como o aumento generalizado da inflação e a quebra do poder de compra de largos estratos da população e por outro lado, da perceção de que esses impactos são muito desiguais e de que as desigualdades económicas e sociais estão a atingir níveis incomportáveis.
Os noticiários, pelo menos os daqueles países que seguimos mais diretamente, vão abrindo ora com notícias da guerra e da tremenda diferença que o compromisso dos soldados Ucranianos na defesa da soberania tem feito na evolução do conflito, ora com o reflexo nas ruas dos múltiplos e dispersos descontentamentos que corroem as sociedades modernas.
Em democracia, a liberdade de expressão e de manifestação é um bem maior. A asfixia autoritária multiplica o sofrimento e a iniquidade, embrulhando-a no medo e na indignidade dos silêncios forçados. O papel dos governos e da qualidade da administração do bem comum é fundamental, mas tal como na frente da batalha na defesa da soberania da Ucrânia, há um fator psicológico determinante para o resultado das políticas; o fator psicológico que distingue o protesto desistente do protesto construtivo, ou a luta por convicção da luta por submissão.
Perspetivando o futuro, temos tido acesso a múltiplos indicadores, quer sobre a possível evolução da guerra, quer sobre a evolução das economias, uns muito bons e outros mais preocupantes. Entre o sol e a sombra, contudo, é hoje cada vez mais claro que o indicador psicológico determinará a vitória da primavera da liberdade democrática ou a prevalência do inverno autocrático. Lutar com propósito firme e compromisso com as soluções viáveis, é o caminho mais “inteligente” para defender e transformar para melhor o mundo livre em vivemos.
As Lições de Erzin
A terrível sucessão de sismos que assolaram vastas regiões da Turquia e da Síria,semearam nelas a destruição e a morte e despertaram sentimentos de compaixão e solidariedade pelo avolumar dos números da tragédia e momentos de alegria e esperança por cada vida arrancada aos escombros.
A crise sísmica, que atingiu a magnitude de 7,8 e provocou muitas dezenas de milhares de mortos, com números que continuam a aumentar enquanto prosseguem os trabalhos de remoção dos escombros.
No meio da catástrofe, a cidade de Erzin, localizada muito perto do epicentro da crise sísmica, não registou nenhuma morte entre os seus 42000 habitantes e nenhum dos seus edifícios colapsou. Apenas uma mesquita viu a sua estrutura afetada e o seu minarete desabar.
Para os especialistas, o que fez a diferença foi a aplicação de um código de segurança em todas as construções realizadas na cidade. Um código que era válido para toda a Turquia, mas ao qual, segundo rezam as crónicas, o governo de Tayyip Erdogan foi fechando os olhos para agradar às suas clientelas, à medida que a democracia turca se foi tornando, sob a sua batuta, cada vez mais musculada, autoritária e permeável à corrupção.
Okkes Elmasogly, Presidente da Câmara de Erzin que foi eleito por um Partido de oposição ao regime, baseou a sua campanha num programa de tolerância zero contra a corrupção nos projetos de edificação, tendo em conta a experiência vivida na região em 1999, onde outra crise sísmica tinha espalhado destruição e morte.
Elmasogly foi eleito, pôs em prática o programa envolvendo a comunidade e os especialistas na aplicação do código de construção segura nos projetos e nas obras e conseguiu um extraordinário sucesso, mantendo Erzin de pé e os seus habitantes vivos.
A Democracia respirou em Erzin, as normas de boa conduta foram aplicadas, a geologiae a qualidade dos solos ajudaram, os seus habitantes valorizaram um bem não imediatonas suas escolhas democráticas e os resultados obtidos compensaram os esforços e os investimentos feitos.
O exemplo de Erzin contêm lições muito fortes para a Turquia, para a Síria e para o mundo, em particular para aquelas zonas do globo em que a exposição aos riscos sísmicos é maior. Os regimes autoritários, ao valorizarem a captura de clientelas em detrimento da aplicação do conhecimento e da participação cívica aumentam em muito o impacto das potenciais catástrofes naturais. Sejamos solidários com as cidades e vilas devastadas, e humildes aprendendo e praticando as lições de Erzin.