Ben(di)to Sejas
2013/02/16 16:08
| Diário do Sul, Visto do Alentejo
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O acto de resignação de Bento XVI têm uma dimensão de humanidade e não
sacralização que desafia e quase impele os cristãos a refletir sobre ele e a
atrever-se a ir para além da fé. É o risco que assumo nesta coluna. Sei que
arrisco a blasfémia, mas escreverei com o coração. Espero assim ser perdoado,
salvo das fogueiras das novas inquisições e até compreendido pelos que em
liberdade não acreditam.
Já opinei algumas vezes nesta coluna que a Igreja do século XXI precisa
de dar novo sentido ao indivíduo enquanto dono do seu destino. Bento XVI
devolveu às pessoas a autonomia na sua relação com o Divino.
Apanhado de surpresa, também eu hesitei na leitura da atitude de
Ratzinger. Não sendo um apreciador da sua agenda conservadora em relação aos
costumes, aprendi ao ler os seus livros e em particular a sua riquíssima
“Cristologia” a respeitar o intelectual e o ser íntegro e iluminado que foi chamado
ao lugar de Pedro no alvor do milénio.
Não faltarão agora teorias conspirativas sobre a decisão de Bento XVI,
relacionando a sua resignação com os escândalos de pedofilia, de lavagem de
dinheiro e de influências que gangrenam o funcionamento do Vaticano.
Não acredito, que por mais
fortes que tenham sido essas pressões, que fossem elas a conduzir à resignação
do Papa. Suspeito e entendo que Bento XVI quis dar um novo e mais denso sentido
ao conceito de livre arbítrio.
Com a sua atitude Bento XVI diz-nos que não é Ele que decide quando
partimos ou o que fazemos enquanto estamos na terra. Por sua vontade, nós somos
dignos de ter a chama dentro de nós e de fazer dela o fogo ou o gelo. Somos nós
os protagonistas da nossa existência e que decidimos o seu sentido, a sua
densidade, a sua coerência e até a sua conexão ao que está para além do tempo e
do espaço.
Bento XVI não tomou uma decisão pessoal cómoda, mas sobretudo mexeu com
a sua decisão com a vida de todos os que acreditam que existe uma força suprema
que dá sentido à existência. Descolou esse caminho coletivo da vontade
individual.
Cada ser é uma parte do todo mas
também um determinante da sua evolução. Da velocidade com que, inspirados em
Teillard de Chardin, partimos do alfa carnal para atingirmos a verdade
libertadora e o ómega transcendente.
Bento XVI, santidade suprema. Demorei uns dias antes de te louvar ou te
esquecer com um hiato ou um imprevisto na nossa caminhada coletiva para o Eu
Universal. Sinto agora mais forte que nunca o sentido e a dimensão do teu acto
de coragem. Eu que não saudei a tua chegada, esperando que estava (e estou) por
um Papa mais próximo do povo e da sua libertação das tiranias morais ou
políticas, saúdo com humildade a tua partida. Bendito Sejas Benedito.
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