O "Preço" da Vida - reflexão sobre o acesso aos medicamentos inovadores
2015/02/28 18:21
| dia, Diário do Sul, Visto do Alentejo
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O facto de integrar a Comissão que no Parlamento Europeu trabalha sobre
as questões do ambiente, segurança alimentar e saúde (Comissão ENVI), em
complemento da minha Comissão principal que trata da indústria, investigação e
energia (Comissão ITRE), levou-me nas últimas semanas a trabalhar sobre um tema
de grande atualidade, como é o acesso dos utentes aos medicamentos inovadores
de elevado preço.
A vida, filosoficamente, não tem preço. Nenhum de nós, com uma pinga de
sentido humanista ousa estabelecer qual é o preço a partir do qual uma
sociedade deve deixar morrer alguém pelo facto do fármaco que o pode salvar ser
muito caro. Se alguém hesitar, é pôr o caso na sua pele ou na pele de um pai,
de um filho ou de amigo próximo.
Esta verdade absoluta (salvo, ao que parece, para o PM português) não
nos pode fazer esquecer as duas dimensões limite do problema. Se os
laboratórios puderem explorar economicamente e sem regras esta particularidade
do “mercado” da vida, acabarão por exaurir os Sistemas Nacionais de Saúde e
impedir que existam recursos para outros serviços fundamentais. Pelo contrário,
se os novos medicamentos forem apropriados pelos Governos para anular esse
“mercado”, corremos o risco de travar o progresso científico e tecnológico e
diminuir o progresso da medicina.
Precisamos de uma resposta equilibrada e que sirva todos os objetivos.
Depois de ter requerido com outros colegas do meu grupo político o debate desta
questão no Parlamento Europeu, vamos agora proceder a audições de todos
interessados e avançar depois para uma iniciativa que permita regular esta questão.
Sem querer antecipar as conclusões do trabalho de elevada seriedade que
está a ser realizado, parece desde já óbvio que deve ser exigido neste âmbito,
mais ainda que em qualquer outro, equilíbrio negocial e transparência.
Se os Países Europeus negociarem em conjunto os contratos de
fornecimento conseguirão preços muito mais baixos. A experiência das vacinas
está aí para o demonstrar. Por outro lado os investimentos de elevado risco dos
laboratórios devem ser compensados de forma justa, mas tratando-se de produtos
que decidem entre a vida e a morte, é aceitável que se estabeleça um teto de
remuneração do investimento, tanto mais que as instituições públicas também
contribuem com muitos biliões de euros para o financiamento da investigação
fundamental e aplicada.
A vida não tem preço mas os medicamentos que a podem salvar têm. É
preciso um grande bom senso neste tema, mas também é preciso ter a coragem de o
abordar. A perspetiva dum novo quadro regulatório já permitiu uma evolução aparentemente
favorável de acordos, com parece ser o caso da solução tardia encontrada em
Portugal (embora seja inaceitável o segredo negocial em contratação pública).
Estabelecer um quadro regulatório justo, global e transparente é um caminho que
vale a pena prosseguir.
PS: Os mais puristas dirão que a
Saúde é um domínio dos Estados Nacionais e não das Instituições Europeias. Os
tratados permitem no entanto o método aberto de cooperação e incentivam mesmo
as cooperações reforçadas. Afinal a subsidiariedade (fazer as coisas no patamar
em que podem ser feitas mais eficazmente) tanto pode significar descentralização
como centralização, e há casos, como este, em que a concentração serve melhor
as pessoas do que a fragmentação.
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