Portugal Fracturado (contra a institucionalização da caridade como política social)
2011/08/14 19:15
| Diário do Sul, Visto do Alentejo
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Portugal tem uma longa história. No último século viveu cinquenta anos amordaçado por uma ditadura de brandos costumes mas profunda na desvitalização da modernidade e da ambição e no cercear da liberdade de expressão.
Os outros cinquenta foram tempos conturbados. O Portugal libertado da Primeira República e da Revolução de Abril de 1974 foi e é um País à procura de si mesmo, balançando entre a euforia e a depressão, entre a maioridade da liderança histórica e a imaturidade da convulsão burlesca.
Durante os cinquenta anos de ditadura Portugal foi um País fracturado, de elites reproduzindo-se pela tacanhez da subserviência, desnatadas pela fuga dos mais rebeldes ou dos mais corajosos, em que a mobilidade social se conseguia pelo compadrio ou pelo apadrinhamento e em que o equilíbrio social era garantido pela caridade das gentes de bem em relação aos pobres e desafortunados.
O acto de fazer o bem ao próximo é um comportamento de elevada dignidade e valor. Fazer bem como acção voluntária, preferencialmente discreta, gratificada pelo prazer da partilha, é uma bênção de quem a faz e uma graça para quem a recebe. Mas infelizmente nem toda a caridade é assim, sobretudo quando ela se sedimenta como instrumento de poder e se institucionaliza como ferramenta de dominação.
Tinha quinze anos na Revolução de Abril, mas ainda vivi o tempo suficiente para perceber a essência do Portugal fracturado que então agonizava, a diferenciação clara entre famílias, o papel da assistência aos pobres como factor de afirmação social dos ricos.
É esse Portugal fracturado que parece agora emergir de novo com a filosofia do anunciado Plano de Emergência Social (PES), ainda que num contexto de legitimação democrática que o permite combater no plano das ideias e derrotar no plano dos votos quando for esse o momento.
Há uma grande diferença entre o bem-fazer como acto individual ou comunitário e a institucionalização duma visão assistencialista como forma de incluir quem pode praticar a caridade e de excluir quem fica dela dependente.
Não critico quem se dispõe a por a mesa a quem tem fome, ainda que para isso empregue produtos e formas de fazer a coberto das normas estipuladas para a garantia da segurança alimentar, nem quem oferece medicamentos cuja validade limite impede a comercialização para quem tem recursos. Não critico as mulheres e os homens de boa vontade que percebendo a dificuldade dos tempos se voluntariam para ajudar quem mais precisa.
Critico e oponho-me a uma política social que tenha por base a fractura entre ricos e pobres, entre bons corações que tendo meios e recursos se “salvam” ajudando os corações menos bafejados pela sorte a ter o mínimo para sobreviver.
A essência da modernidade e da justiça social é a igualdade de oportunidades e a garantia de condições de vida digna para todos os seres humanos. Algo que não pode ficar ao livre arbítrio dos poderosos, mas tem que ser assumido como uma função chave do Estado democrático. De outro modo fractura-se a sociedade e pode acabar por se fracturar a própria democracia.
Os outros cinquenta foram tempos conturbados. O Portugal libertado da Primeira República e da Revolução de Abril de 1974 foi e é um País à procura de si mesmo, balançando entre a euforia e a depressão, entre a maioridade da liderança histórica e a imaturidade da convulsão burlesca.
Durante os cinquenta anos de ditadura Portugal foi um País fracturado, de elites reproduzindo-se pela tacanhez da subserviência, desnatadas pela fuga dos mais rebeldes ou dos mais corajosos, em que a mobilidade social se conseguia pelo compadrio ou pelo apadrinhamento e em que o equilíbrio social era garantido pela caridade das gentes de bem em relação aos pobres e desafortunados.
O acto de fazer o bem ao próximo é um comportamento de elevada dignidade e valor. Fazer bem como acção voluntária, preferencialmente discreta, gratificada pelo prazer da partilha, é uma bênção de quem a faz e uma graça para quem a recebe. Mas infelizmente nem toda a caridade é assim, sobretudo quando ela se sedimenta como instrumento de poder e se institucionaliza como ferramenta de dominação.
Tinha quinze anos na Revolução de Abril, mas ainda vivi o tempo suficiente para perceber a essência do Portugal fracturado que então agonizava, a diferenciação clara entre famílias, o papel da assistência aos pobres como factor de afirmação social dos ricos.
É esse Portugal fracturado que parece agora emergir de novo com a filosofia do anunciado Plano de Emergência Social (PES), ainda que num contexto de legitimação democrática que o permite combater no plano das ideias e derrotar no plano dos votos quando for esse o momento.
Há uma grande diferença entre o bem-fazer como acto individual ou comunitário e a institucionalização duma visão assistencialista como forma de incluir quem pode praticar a caridade e de excluir quem fica dela dependente.
Não critico quem se dispõe a por a mesa a quem tem fome, ainda que para isso empregue produtos e formas de fazer a coberto das normas estipuladas para a garantia da segurança alimentar, nem quem oferece medicamentos cuja validade limite impede a comercialização para quem tem recursos. Não critico as mulheres e os homens de boa vontade que percebendo a dificuldade dos tempos se voluntariam para ajudar quem mais precisa.
Critico e oponho-me a uma política social que tenha por base a fractura entre ricos e pobres, entre bons corações que tendo meios e recursos se “salvam” ajudando os corações menos bafejados pela sorte a ter o mínimo para sobreviver.
A essência da modernidade e da justiça social é a igualdade de oportunidades e a garantia de condições de vida digna para todos os seres humanos. Algo que não pode ficar ao livre arbítrio dos poderosos, mas tem que ser assumido como uma função chave do Estado democrático. De outro modo fractura-se a sociedade e pode acabar por se fracturar a própria democracia.
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