António Aleixo Revisitado
2018/10/13 09:23
| Link permanente
Entre as muitas e sábias quadras que o grande poeta popular algarvio António Aleixo nos deixou em legado, avulta uma que pela sua sageza me inspirou esta reflexão. Dizia o poeta que “a mentira para ser segura/e atingir profundidade/tem que trazer à mistura/qualquer coisa de verdade.
“Este livro que vos deixo ...” recolha publicada das quadras de Aleixo é um manancial de sabedoria singela e pura e de conhecimento popular. A quadra citada no parágrafo anterior, na sua aparente simplicidade, traça a matriz de um dos mais perigosos fenómenos do nosso tempo, ou seja, da proliferação nas redes sociais e não só de notícias distorcidas ou falsas (fake news). Aleixo, se hoje vivo, escreveria certamente que “a falsa notícia para ser segura/ e atingir credibilidade/ tem que trazer à mistura/qualquer coisa de verdade”.
A corrupção de certas fontes, sem se saber como distinguir o trigo do joio, tem vindo a introduzir fatores de perturbação descontrolada nos sistemas de decisão política, económica e social e a minar a credibilidade dos sistemas políticos e em particular dos sistemas políticos democráticos.
A dificuldade maior, mesmo para mim que tenho formação política e técnica na área da comunicação e da gestão da informação, é discernir com confiança o que é verdadeiro daquilo que é “martelado” por manipulação direta ou indireta.
Em Portugal vou-me socorrendo do histórico das fontes para endossar mais ou menos confiança naquilo que me é transmitido pelos veículos de comunicação, mas quando mais me afasto da minha zona de conforto, real ou aparente, mais me sinto inseguro quanto à veracidade daquilo que leio, sobretudo quando se trata de análises interpretativas de factos ou de seleção parcial dos mesmos para ancorar a notícia.
Lá fora é mais difícil. O acompanhamento nas redes sociais das eleições brasileiras, cuja segunda volta entre Fernando Haddad e Jair Bolsonaro decorre a 28 de outubro é um exemplo hiperbólico do que antes referi. Muitas das notícias propaladas pelascandidaturas, em particular pela candidatura de Bolsonaro pareceram-me mentiras totais, sem ponta de verdade. Ainda assim, contudo, parecem terem sido credíveis para a maioria dos brasileiros que votaram na primeira volta.
O mundo mudou. Precisamos de outro Aleixo para nos explicar em palavras simples o mundo novo. Ele, Aleixo, que nos instou a ter senso na novidade, ao escrever que “vós que lá do vosso império / prometeis um mundo novo/ calai-vos que pode o povo/ querer um mundo novo a sério”. Eu não prometo, mas quero. Um mundo decente. Confiável.
Comentários