Avivar o Sentido
Dediquei uma semana das minhas férias a uma caminhada /peregrinação com a mochila às costas e um objetivo claro de reencontro comigo mesmo para reavivar o sentido. O projeto era antigo e foi sendo sucessivamente adiado, mas o impulso este ano, não obstante todas as suas condicionalidades e restrições, ou talvez pelas interrogações acrescidas que elas nos colocaram, foi mais forte e rompeu a inércia.
Quando chegamos à idade a que eu cheguei, com saúde e uma enorme vontade de continuar a fazer acontecer e participar com responsabilidade e cidadania no dia a dia dos territórios e nas comunidades que nos acolhem, começamos a deitar contas à vida. A refletir mais intensamente sobre o que foi e o que será a nossa passagem pela Terra.
Parece que ainda foi ontem que percorri os caminhos da Europa de mochila às costas no “inter-rail” e é já “amanhã” que as estatísticas me vão começar a contar como “sénior”, não como jogador de bola que também fui, mas como caminhante do ciclo da vida.
Este ano aconteceu. Por uma semana desliguei-me quase totalmente da parafernália técnica e tecnológica que nos é tão útil, mas também nos desvia tantas vezeso olhar do que é essencial, para ser uma espécie de eremita em movimento, bebendo sofregamente a natureza, extasiando com as suas cores, surpreendendo-me com os seus recortes, os seus sons, os seus sabores e os seus odores campestres.
Parti. Atravessei o rio do esquecimento, com a consciência plena de que é sempre da outra margem que melhor vislumbramos quais as pontes que podemos escolher para voltar ao caminho no ponto em que queremos e podemos. Exultei com o verde das paisagens, com a pureza da luz, com a frescura dos regatos, com a afabilidade das pessoas simples. Embalado na imaginação, viajei pelo tempo, imaginando os que noutras décadas, séculos ou até milénios também tinham pisado os mesmos trilhos. Para onde iriam? Onde chegaram? Dos mais famosos reza a história. Os outros fizeram-na.
Eu parti e cheguei. Cheguei sabendo que nunca se chega. Cheguei ainda com mais vontade de partir cada dia para cumprir a missão que me coube na vida. De ser digno do dom de existir como um ser com quem o universo partilhou o tesouro de ser consciente de si próprio, consciente dos sentidos e livre de escolher o caminho. Um tesouro que todos temos escondido dentro de nós e que quando se revela, ainda que por momentos, nos aviva o sentido da vida.