O “Virus” da Polarização
Não sou virologista nem profeta da desgraça. Sei pelas leituras da atualidade que todos os dias são identificados novos vírus e novas estirpes virais. Felizmente, só alguns desses agentes infeciosos têm as características de propagação das diferentes variantes do COVID19. O trabalho científico e tecnológico que está a ser desenvolvido em todo o mundo constitui a maior esperança de que quando surgir um agente com o mesmo risco potencial, a humanidade possa estar mais preparada para dar respostas mais rápidas e mais inclusivas, não deixando para trás os territórios e os povos economicamente e cientificamente mais vulneráveis.
O agente infecioso sobre o qual vou escrever não é biológico e só “infeta” os corpos através da ação que exerce nas mentes dos que são por ele contaminados. Trata-se do “vírus” da polarização. O novíssimo “vírus” desenvolve-se no terreno fértil das desigualdades e da brecha cada vez maior aberta entre os as elites económicas do planeta e os povos em geral. No passado, fraturas com esta tipologia originaram revoluções sangrentas e obrigaram a baralhar e a dar de novo no jogo do funcionamento dos sistemas políticos. Um pouco em linha com os saberes médicos de então, o sangramento dos regimes e dos povos, com a panóplia de atrocidades associadas, criavam a base para novos ciclos e novos equilíbrios sociopolíticos.
Na sociedade neuronal em que vivemos, embrenhados em realidades virtuais criadas cada vez de forma mais sofisticada, o “vírus da polarização” entranhou-se de uma forma mais insidiosa nos corpos e das mentes e torna mais difícil imaginar a cura revolucionária pela qual os que mantém a lucidez, anseiam. A cura tem que mexer com as desigualdades reais nas condições de vida e de sobrevivência e com as realidades virtuais que deturpam as perceções e retorcem as consciências. Tem que mobilizar as “vacinas” já testadas da liberdade, da democracia, da justiça, da dignidade e da ética. “Vacinas”, que tal como as inoculações para a COVID19 muitos rejeitam, colocando-se um patamar acima do interesse comum, autocentrados sobre o poder efémero que os protege ou bafeja.
Não vejo outro remédio melhor do que mobilizar a educação e a formação nos saberes basilares e nos novos saberes técnicos e tecnológicos que fazem parte da caixa de ferramentas para a realização dos seres humanos. é preciso evitar que a fragilização dosprocessos formativos, escancare a porta ao novo “vírus,” que talvez mate menos, mas destruirá mais as nossas vidas, que todos os vírus já conhecidos