Um Reino perto dos Céus
2020/02/23 16:58
| Diário do Sul, Visto do Alentejo
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Para quem viveu em Africa, como eu vivi em Moçambique e Angola na minha juventude, a sua luz é uma dádiva suprema. Foi dessa luz, dos aromas torrados, do sorriso solto das crianças, do fluir fervilhante do dia a dia e da paleta intensa de cores, que me recordei de novo ao iniciar uma missão em Maseru, no Reino do Lesoto, para co-presidir à 18 Assembleia Parlamentar paritária UE/ África Austral.
O Lesotho é um Reino com 2 milhões de habitantes, encravado no território da África do Sul, montanhoso e com uma altitude média que leva a que os seus habitantes lhe chamem com orgulho “um reino perto do céu”. Na longa viagem de Bruxelas até Maseru fui percorrendo os muitos relatórios sobre o reino, reportando instabilidade política e números preocupantes em todos os indicadores chave para o desenvolvimento humano, designadamente no que se refere à escassez de alimentos, às secas cada vez mais prolongadas, ao desemprego jovem, à propagação de doenças tropicais e ao tráfico generalizado de drogas, pessoas e orgãos.
Talvez devido ao quadro negativo contido nos relatórios, ou talvez entusiasmado pela qualidade e pela frontalidade dos debates na Assembleia Parlamentar, quando pude visitar a cidade e alguns dos empreendimentos financiados pelos instrumentos de cooperação da União Europeia, o que vi pareceu-me bem melhor que o retrato estatístico.
O Lesoto é um país pobre e com enormes limitações, mas com sinais evidentes de vitalidade e dignidade. Convidado a assistir à sessão de abertura do Parlamento nacional, pude constatar a enorme diversidade política num momento complexo de condenação pelos tribunais do Primeiro-ministro em exercício. Umas horas depois fui recebido com serenidade por um Rei, Leslie III, que mostrou uma consciência plena dos desafios que se colocam ao seu País e à cooperação entre África e a Europa no novo quadro geopolítico.
Procurei como sempre faço, com as limitações naturais da natureza oficial das visitas, falar com as gentes da terra. Encontrei uma sociedade civil frágil mas ávida de instrumentos para poder desempenhar um papel maior. A sociedade civil é tendencialmente a parente pobre dos complicados mecanismos da cooperaçãoentre regiões com diferentes níveis de desenvolvimento. Foi por isso com satisfação que vi ser adoptada por consenso pela Assembleia Parlamentar uma recomendação de aposta generalizada dos sistemas de microcrédito e controlo de risco nas parcerias em negociação entre a União Europeia e África, as Caraíbas e o Pacífico.
Dar poder às pessoas, pela qualificação, pelas condições de vida, pela liberdade de expressão e pela capacidade de fazer acontecer, deve ser a prioridade de parcerias entre iguais, feitas em nome duma visão humanista e progressista do mundo.
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