A Mulher de Cesar
Com mais um ano a arrancar e o País em esforço coletivo convergente para fazer frente aos múltiplos constrangimentos externos e internos com que se depara, o debate político que constitui o oxigénio da democracia, migrou para o terreno mais etéreo da dimensão política dos comportamentos éticos e morais.
A primeira aferição desses comportamentos tem que ser legal. O conhecido princípio de atribuir “à política o que é da política e à justiça o que é da justiça” abre espaço para uma separação saudável, mas não anula a dimensão política do que acontece, mesmo quando está totalmente salvaguardada a correta aplicação da lei.
Numa sociedade livre e democrática, o direito à liberdade individual é delimitado pelo quadro legal e pelo direito à liberdade dos outros. Assim também deve acontecer com o direito à diferença nos múltiplos patamares da sociedade. A lei e o direito à diferença do outro, ou dito de outra maneira, o direito à dignidade de todos, estabelece as linhas vermelhas que ajudam a delimitar uma sociedade democrática livre, justa e saudável.
Em contrapartida, mesmo que assegurada a plena legalidade, a perceção da injustiça majorada pela sua comunicação agressiva, tende a corroer a coesão e a confiança social e cria pasto para os populismos, os descontentamentos de massa, as revoltas setoriais e outros sintomas de esfarelamento social.
O conhecido ditado popular de que “à mulher de César não basta ser honesta, é preciso parecer honesta” cuja origem remonta ao processo de divórcio do famoso ImperadorRomano da sua segunda mulher, Pompeia Sula no ano de 62 AC, aplica-se com propriedade ao cacharolete de casos políticos que tem vindo a ser plantados no debate público a partir de julgamentos éticos e morais, o último dos quais conduziu a demissões várias no Governo em funções.
Quando a suspeita é lançada, se não for rapidamente esclarecida, num repente as suaslabaredas atiçam e tornam difícil distinguir o que há de verdade no meio da mentira e vice-versa. Face ao grassar do “fogo posto” como instrumento de combate político, nada como limpar bem as bermas, acender o lume com todas as cautelas e garantias da qualidade da fornalha e apagar as ignições laterais sem hesitação, expondo os factos e tirando deles as consequências, sejam elas quais forem.
Dito isto, o incêndio mais benévolo é o que se evita com a prevenção, como Pompeia Sula, deve ter pensado muitas vezes depois da decisão do Imperador (e em relação à qual ainda hoje as opiniões divergem, só não abrindo Telejornais por já ter ocorrido há mais de dois milénios!).