O Estadista do Povo
Em Évora a tarde estava amena. A luz que só o Alentejo sabe ter contrastava no seu azul trigueiro com a alvura das paredes da biblioteca pública recentemente restaurada e caiada. Na mesa da pequena esplanada, apreciando uma agradável conversa de fim de tarde e degustando um copo de vinho branco cheio de aroma e frescura, podia-se alcançar a sombra do Templo de Diana, grande ícone monumental da cidade.
Então a morte chegou como um silvo. Primeiro um telefonema e a incredulidade. A voz do outro lado tinha ouvido falar da infeliz ocorrência, mas não tinha pormenores. Podia ser uma confusão. Procurei noticias nervosamente no telemóvel. Nos primeiros “sites”ainda nada se dizia. Respirei, mas depois, ora aqui, ora ali os contornos foram-se definindo. O meu grande amigo e camarada Jorge Coelho acabara de morrer vítima de um episódio cardíaco letal.
Os primeiros minutos foram de negação. Prossegui a conversa como se fosse possível adiar a tomada de consciência do que acabara de acontecer e com ela a invasão da tristeza. Mas depressa senti a urgência de voltar a casa. As mensagens, os telefonemas, os pedidos de comentário cresceram. O bulício anestesiou a dor, o que só fez, como sempre acontece, que ela ressurgisse mais forte depois.
Num comentário para um canal de Televisão onde me perguntaram sobre a impetuosidade e a enorme determinação política de Jorge Coelho defini-o como um “Estadista do Povo”. Foi como o senti naquele momento, revendo tantos momentos e tantas coisas que partilhámos juntos.
Além de um homem de caracter, bem-disposto, amigo dos seus amigos, sagaz e profundamente conhecedor da natureza humana, que o fazia, como muitos disseram, estar sempre do lado da solução e não do problema, Jorge Coelho combinava a visão holística e o sentido de Estado, com a capacidade de ser popular, empático e próximo das pessoas. Foi essa proximidade que lhe permitiu ter a intuição correta de que embora não tivesse responsabilidade pessoal na queda da ponte de Entre-os-Rios, sendo o Ministro das Infraestruturas, só assumindo a responsabilidade política do Estado, libertava esse mesmo Estado para ser parte da solução, como foi, na resposta possível à tragédia.
Cheguei a um tempo da minha vida em que começa a ser maior o número de pessoas que muito me marcaram e que vão partindo. A partida de Jorge Coelho não surgiu no fluir dos ciclos. Foi inopinada. Fervilham na minha memória muitas dezenas de momentos inesquecíveis que com ele partilhei. Momentos de reflexão, de combate político, de salutar convívio. Ninguém é insubstituível, mas temos que estar à altura de honrar o que connosco partilhou o estadista do povo.