O Segredo está na Cana
As dificuldades com que se confrontam cada vez mais pessoas no seu dia a dia, num mundo que acelera desmesuradamente e não se coíbe de deixar para trás quem não tem a pedalada necessária, têm vindo a alargar a brecha psicológica entre quem está no terreno e quem tem a função de desenhar e aplicar as políticas e defender o interesse geral. Por essa brecha psicológica entram sem pudor os populismos, que aproveitam todas as falhas de comunicação para construir barreiras contra a democracia e a cidadania com valores.
No exercício do meu mandato representativo tenho tido a possibilidade de observar e participar em processos de formação da decisão em múltiplos patamares. A dinâmica de mudança obriga também a quem participa nos processos de decisão a alterar as práticas, mesmo as mais consagradas, e a ter a humildade de aprender com a realidade e com os novos desafios que tem que enfrentar.
As soluções iluminadas, os quadros metodológicos rígidos ou a repetição acrítica do que antes resultou, são armadilhas que podem defender o decisor, mas não defendem nem envolvem os destinatários. O segredo mal guardado, mas muitas vezes esquecido e a que devemos recorrer cada vez mais, é que devemos fixar valores partilhados e objetivos comuns e depois construir as soluções passo a passo, envolvendo as comunidades nos processos de desenho e concretização.
O segredo não está no enunciado que fiz, por que esse é fácil e óbvio. O segredo está na capacidade de abandonar a receita tipo e aceitar construir respostas por medida, com partilha de responsabilidades e também de resultados obtidos.
Podia ilustrar as consequências deste raciocínio, como já antes referi, em praticamente todos os patamares de decisão. Escolho um exemplo recente. Tive a oportunidade de reunir com a presidente da AGRA - Aliança para a revolução verde em África”, cuja mensagem é muito simples, mas forte.
As alterações climáticas, a insegurança, o aumento do preço mundial das sementes e dos fertilizantes têm vindo a afetar a produção de alimentos e a aumentar as bolsas de fome em todo o Continente. A AGRA pede ajuda da União Europeia, mas não pede “peixe nem canas pré-fabricadas e adaptadas a outros mares”. Quer ajuda para adaptar os modelos de produção africanos aos novos desafios e a partir daí aceder aos mercados globais, equilibrar a balança económica e social e alimentar as suas populações. O segredo está na “cana”. Todo o conhecimento e envolvimento são poucos para a construir a preceito.