Lado B
A experiência que vivi em Nairobi e nos condados adjacentes, durante a missão do Comité de Desenvolvimento do Parlamento Europeu realizada entre 3 e 5 de abril àquele País da África Oriental, charneira nas regiões do corno de África e dos grandes lagos, reforçou ainda mais a minha convicção que o nível que atingiu a desigualdade social no mundo é insustentável.
O Quénia é um dos países africanos com maior nível de penetração da internet. Uma grande parte da sua imensa juventude está conectada ao mundo e tem a perceção imediata das múltiplas fraturas que apelam à revolta, à crispação e aos conflitos. Os diferenciais de desenvolvimento entre países e dentro dos países estão expostos e traduzidos em centenas de milhões de seres humanos sujeitos a viver abaixo dos limiares da dignidade e milhares de mortes causadas pela fome, pela doença e pela violência em cada dia que passa.
A partir do Quénia ou de muitos outros pontos do globo, os jovens percebem que em patamares diferentes, como França ou os Estados Unidos bem exemplificam, as desigualdades também incendeiam sociedades que têm muito mais capacidade de criar riqueza, mas igual incapacidade de a distribuir com equidade.
Esta reflexão, feita a partir de uma visita para avaliar e desenhar programas de emergência humanitária e mitigação de riscos futuros no quadro de uma parceria entre iguais entre a União Europeia, o Quénia e os países com que interage mais diretamente, podia ser feita a partir de Portugal ou de qualquer outro ponto do globo, adequando a análise aos contextos (exceto dos espaços abafados pelos totalitarismos ou esquecidos pelos mediatismos de ocasião).
No nosso País, face ao impacto da inflação, o rastilho da revolta em torno da perceção de desigualdade, é por um lado a degradação dos rendimentos que penetra uma grande parte da classe média e atinge múltiplas classes profissionais e por outro a falha do elevador social nos salários dos jovens qualificados, que penaliza as expetativas de um futuro melhor. A estes dois fatores junta-se a noção generalizada de que o sistema fiscal não consegue dar os sinais necessários para corrigir estas e outras distorções.
As revoltas e as fraturas discursivas abrem telejornais. As soluções sólidas e incrementais normalmente não o fazem, mas é por elas que temos que ir. Boas políticas públicas e fiscalidade justa são o antídoto ao Lado B. O lado do salve-se quem puder, que muitos advogam, mas em que ganham sempre os mesmos, ou pelo menos uma parte cada vez mais concentrada e poderosa desses “ungidos” a quem a justiça social atrapalha o ego.