Transumância Digital
O fenómeno do designado nomadismo digital, ou seja, da circulação de trabalhadores que operam e realizam as suas funções a partir de plataformas virtuais, era inevitável e foi acelerado com as restrições impostas pela pandemia e com os avanços tecnológicos que ela também incentivou.
O teletrabalho e o trabalho à distância, tal como o trabalho no seu conceito tradicional, têm diversas tipologias. As funções que podem ser realizadas virtualmente usando plataformas digitais podem exigir sincronismo temporal e/ou espacial. Muitas delas, contudo, não o exigem. Os nómadas digitais são fruto do desligamento das funções que exercem de uma referência espacial concreta.
Esta nova realidade gera novos fluxos de trabalhadores, na sua generalidade altamente especializados, que se deslocam em busca dos espaços mais atrativos para poderem trabalhar, rompendo fronteiras, atravessando oceanos, posicionando-se como cidadãos do mundo, e fazendo escolhas em função de critérios de qualidade de vida, segurança, valores, hobbies e também vantagens financeiras.
A transumância digital não é neutral em relação aos territórios e às comunidades. Uns são descapitalizados pela fuga de pessoas, competências e capacidades e outros são reforçados com novos residentes, mais ou menos precários, mas que enquanto residem são criadores de riqueza e dinâmica social e ao mesmo tempo competidores no acesso aos recursos e aos serviços disponíveis.
Se esses recursos forem escassos e os nómadas forem mais habilitados financeiramente a competir por eles, podem gerar-se fatores de disrupção no mercado e sentimentos de injustiça e rejeição. É fundamental evitar que os “nómadas digitais” se constituam como uma “tribo” à parte, com direitos ou capacidades especiais, que levem a que sejam encarados como um corpo estranho e pernicioso para a maioria dos sedentários instalados no território.
Esta realidade desafia as políticas económicas e sociais de nova geração, em particular as políticas de habitação, de saúde e de gestão do território e o seu modelo de financiamento, em particular com a equidade no acesso aos serviços e na contribuição fiscal dos diversos grupos sociais. Os nómadas digitais não devem ser discriminados nem positiva, nem negativamente. Se a partilha das condições gerais não for atrativa, então o alinhamento deve ser feito melhorando essas condições e não criando bolhas de privilégio para quem quer que seja. Só assim a transumância será pacífica e benéfica para a sociedade no seu todo.