Humanismo à Francesa
O próximo ano será marcado, entre muitas outras coisas, umas mais previsíveis que outras, pelas eleições presidenciais francesas que decorrerão ao longo do mês de abril, com uma primeira volta, ao que tudo indica para escolher quem à direita ou à esquerda vai defrontar o centrista e europeísta Emmanuel Macron, e uma segunda volta paradeterminar o ocupante do Eliseu para os próximos 5 anos.
Em simultâneo, a partir de 1 de janeiro, a França assumirá a Presidência do Conselho Europeu, para a qual escolheu uma trilogia de prioridades apelativa, mas não surpreendente; soberania, crescimento e humanismo. Quando dissecamos com mais pormenor as prioridades enunciadas, verificamos que no que diz respeito ao crescimento e ao humanismo, os franceses dão sequência às sementes lançadas pela Presidência Portuguesa, designadamente no que diz respeito à transição verde justa, àtransição digital inclusiva e à aplicação do pilar dos direitos sociais, dando seguimento à Declaração do Porto sobre o tema.
No plano geopolítico a aposta nas relações com África completa também aquilo que a Presidência Portuguesa, devido aos constrangímentos da pandemia, não teve condições para fechar, designadamente a entrada em vigor do acordo de Pós-Cotonu e a cimeira União Europeia - União Africana. Na velha tradição gaullista, a soberania, ainda que soberania partilhada no contexto da União, significa algo de muito importante para França e sobretudo em período eleitoral, vai ser fundamental seguir o desenvolvimento da aplicação desta prioridade, designadamente nos domínios da defesa, do controlo de fronteiras e da autonomia estratégica face às outras potências globais.
A reforma do espaço Schengen é urgente, num quadro em que a livre circulação tem sido desafiada quer pelos constrangimentos da pandemia, quer pelas pressões migratórias. Não será fácil, mas uma reforma bem-sucedida, que torne ágeis e eficazes os procedimentos, designadamente o acolhimento de refugiados e a inserção de migrantes, seria uma grande marca da Presidência.
O reforço da União para a Segurança e a Defesa é uma condição para que a União tenha voz ativa na NATO e possa continuar a assegurar a proteção dos seus cidadãos face aos velhos e aos novos riscos de agressão, designadamente os que podem ocorrer no ciberespaço. Finalmente, a autonomia estratégica no acesso às cadeias de valor, às tecnologias e às matérias primas críticas é determinante para que a União possa continuar a ser uma potência multilateral, interdependente e não protecionista. Humanista à francesa!