Utopia de Verão
Na viragem do milénio publiquei na Editorial Presença um testemunho de vida e de antevisão do futuro que intitulei “Ordem, Caos e Utopia - contributos para a história do século XXI”, inspirado por uma ideia partilhada por José Saramago no seu Doutoramento Honoris Causa na Universidade de Évora, ocorrido em janeiro de 1999. na lição magistral proferida no salão nobre do Colégio do Espírito Santo, em que o escritor postulou com inegável lucidez que “o passado é histórico, o presente é caótico e o futuro é utópico”.
Baseado nesta ideia seminal e motivado pelo momento mágico da emergência de um novo século e de um novo milénio, decidi escrever e publicar um ensaio que constituísse um registo do cruzamento entre a minha perceção da realidade, os valores que me animavam e ainda animam e o sonho de marcar, à minha infinitesimal escala edimensão, o tempo que haveria de viver.
Mais de vinte anos passados, o testemunho que tenho revisitado nalgumas sessões públicas e voltei a percorrer agora numa num arremedo estival de nostalgia, é a prova viva de que uma utopia é uma utopia, ou seja, uma construção idealizada com ínfimas probabilidades de ser atingida, mas que ajuda a definir um referencial para as escolhas e os caminhos da vida.
Aquilo que foi conscientemente uma utopia é hoje uma realidade caótica bem menos justa e sustentável do que a forma como a idealizei, mas o sonho que construi ajudou-me a ter sido mais coerente e determinado naquilo que fui fazendo.
Ao aproveitar este tempo mais lento de agosto para rever algumas memórias, e ao reencontrar-me com esta em particular, dei comigo a pensar se seria capaz de repetirhoje um exercício similar? Seria mais difícil, não pelo exercício em si, mas porque estou agora num outro patamar da minha vida e da minha aprendizagem. Ainda não desisti de sonhar, mas conheço melhor o recorte das sombras e dos obstáculos que seatravessam nas veredas da existência.
Na transição do milénio tinha uma visão otimista do futuro e da capacidade de usar as novas ferramentas da ciência, do conhecimento e da tecnologia, para convergir para uma sociedade mais humanista, mais digna, com mais espaço para a procura da felicidade. O caminho feito nestes vinte anos colocou a humanidade perante um desafio de sobrevivência.
Só uma perceção forte e partilhada de mudança pode inverter o sentido trágico que globalmente estamos a percorrer, fomentando a erosão das condições de vida em segurança, comunhão com a natureza e liberdade. Partilho um apelo de superação individual e coletiva. Uma utopia de verão.