Alta Voltagem
Foi um facto político para desviar a atenção da grande vitória que constituiu a assinatura de um acordo tripartido para desbloquear o aumento das interligações de energia entre Portugal, Espanha e os restantes mercados europeus, que o PSD através do seu Vice-presidente Paulo Rangel quis criar quando qualificou o dito acordo como uma transição em baixa, ou usando as palavras do próprio, uma “passagem de cavalo para burro”.
A Península Ibérica é uma ilha energética. No calor do debate, Luis Montenegro afirmou que se fosse Primeiro Ministro teria deixado Espanha sozinha a assinar o acordo com França. A ilha energética passaria a ser só Portugal! Ficaríamos cheios de potencial de produção e sem linhas de acesso aos mercados. Seriamos um País em alta voltagem.
Marcelo Rebelo de Sousa, atual Presidente da República, é reconhecido como o principal fundador e mentor da prática de comunicação baseada na criação de factos políticos, para marcar ou condicionar a agenda mediática. A linha por ele criada tem ganho muitos seguidores ao longo dos anos e o próprio ainda nela professa, como se verificou em episódios recentes.
A fabricação de factos político é um jogo arriscado. Sem pretender introduzir neste texto julgamentos éticos, os factos políticos que manipulam agendas, tem que ser criações que sobrevivam ao confronto com a realidade ou então que sejam totalmente dela desligados. O facto político criado pelo PSD não resistiu ao confronto com a realidade.
De facto, o novo acordo substitui um projeto de gasoduto que, não obstante muitos esforços conjugados, nunca conseguiu ter viabilidade política, financeira nem regulatória (pareceres favoráveis dos reguladores dos 3 países envolvidos). Em simultâneo assegura a concretização das interligações elétricas na dimensão antes estabelecidas e cria um corredor verde que faz com que o novo gasoduto deixe de ser apenas um instrumento de comercialização e distribuição de gás importado, designadamente através do Porto de Sines, e passe a ser um componente de viabilização do ambicioso cluster nacional de produção, incorporação e exportação de hidrogénio verde, em que o Alentejo e Sines terão um papel fundamental.
O facto politico gerado pelo PSD morreu célere devido à sua inconsistência, mas teve a vantagem de ter feito com que durante alguns dias os temas da energia tenham ganho espaço mediático num debate que foi para além da questão fundamental dos preços devido ao impacto da guerra e se projetou para as opções estratégicas do País neste domínio. Foi um efeito colateral e não desejado pelo criador, mas foi um efeito positivo.