O Mundo é o que Somos
2016/03/21 11:12
| Diário do Sul, Visto do Alentejo
| Link permanente
Tempo de Páscoa é tempo de recomeço ou de renascimento. Tempo de
reflexão sobre o sentido das coisas, num momento que convida à dispersão e em
que conseguir ter foco é um dos desafios mais difíceis do dia-a-dia.
Escrever uma crónica que tenha a ver com a atualidade e com o sentido
do tempo que vivemos tem também essa dificuldade de foco e de escolha. Há tanta
coisa a acontecer em todos os patamares; na nossa terra, no nosso País, na
Europa, no Brasil, em Cuba, que talvez valha a pena lembrar algo simples. A
sociedade é a projeção da ação do homem. O mundo é o que somos. Se formos
diferentes o mundo também será diferente. Cada um de nós fará uma pequena
diferença. A soma das pequenas diferenças faz o mundo em que vivemos.
Quando em 5 de janeiro de 2015 a sede do jornal satírico francês
“Charlie Hebdo” em Paris foi barbaramente atacado por um comando terrorista
matando 12 pessoas e ferindo gravemente outras cincos, o mundo comoveu-se e no
dia seguinte muitos de nós assumimos aquele ataque como sendo um ataque
coletivo à liberdade de expressão. Sentimo-nos também atacados e escrevemos nos
nossos murais e nos nossos textos “Je Suis Charlie” (Eu sou Charlie). Eu fui um
deles.
Depois disso, já nos sentimos muitas outras coisas. Os ataques
terroristas, a tragédia dos refugiados, as catástrofes naturais, as limpezas
étnicas ou religiosas, os territórios ocupados por bandos armados, os jovens
desaparecidos em muitas partes do globo. Não há semana em que não sintamos em
nós a dor partilhada com quem sofre e um certo sentido de impotência perante o
filme de um mundo em dissolução e que a comunicação global nos mostra em tempo
real.
Esta consciência de que somos nós sendo também em parte o outro deve
merece reflexão sempre e em particular neste tempo de Páscoa. Há uma conexão
entre tudo o que acontece num sistema complexo. Sendo importantes as
manifestações coletivas e mediáticas, não podemos perder a noção que por cada
episódio que ocorre com visibilidade global, há muitos outros que lhe estão
ligados e dos quais não temos essa consciência.
Nos últimos anos já nos sentimos muitas vezes gregos pela forma como
aquele nosso parceiro da União Europeia (UE) foi aqui e ali humilhado pelos
decisores europeus. Mas agora que nos sentimos Refugiados em solidariedade com
os que fogem dos palcos de guerra e tentam chegar a um espaço de paz, não
podemos deixar de nos sentir igualmente gregos ao pensar que é um dos Países
com mais dificuldades na UE que mais esforço é levado a fazer para prestar
apoio aos desesperados que aportam ao seu território. Neste domínio aliás
podemo-nos sentir com orgulho portugueses, em função da atitude de abertura e
sensibilidade demonstrada pelo Governo e pela nossa sociedade em geral.
O mundo é aquilo que somos. Não vale a pena a desculpa de por nós não
contamos porque de facto só nós mesmo é que contamos. Tudo começa e acaba em
cada um de nós. Vamos ser. Vamos fazer acontecer. Páscoa Feliz.
Comentários