Personagens
2015/08/18 19:10
| Diário do Sul, Visto do Alentejo
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Um dos meus maiores prazeres
de férias é a leitura. Leitura diversificada, incluindo alguns livros
“obrigatórios” que foram ficando em atraso pelos afazeres correntes e também os
títulos da moda que dão gozo especial por estarem a ser lidos ao mesmo tempo
por tanta gente que se tornam objeto de animados e improváveis debates próprios
da estação.
As narrativas históricas,
sobre a forma de biografias, reconstituições ou mesmo romances com inspiração
em factos ou lendas, são um dos refúgios em que melhor me sinto. Gosto de
imaginar os cenários e sobretudo de “sentir” as personagens, a sua densidade,
maturidade e evolução. Afinal, a própria vida, individual ou coletiva, é a
construção mais ou menos consciente de personagens e do seu contexto.
Ao longo dos anos tenho
verificado que têm mudado os ângulos de análise histórica que mais valorizo. É normal
que tendo já passado folgadamente o meio século de existência me comece a
interessar particularmente pela forma como as personagens evoluem no tempo e a
estabelecer ligações entre a forma como se afirmam e a forma como amadurecem ou
apodrecem enquanto cumprem o ciclo da vida.
Espero obviamente aprender a
compreender melhor o mundo e a tirar algum benefício para aprender a lidar
melhor com o meu próprio percurso (ainda me custa escrever envelhecimento … mas
é disso que se trata, inexoravelmente).
Não tenho nenhuma pretensão
científica no que escrevo nesta crónica. Apenas partilho o que sinto no que
vivo vivendo e no que vivo lendo. Os corajosos e ousados na juventude
envelhecem melhor. Os acomodados tendem a enquistar-se à medida que o tempo
flui. As exceções só ajudam a confirmar esta regra empírica.
Olhem para os designados
“senadores” nas várias áreas de conhecimento e ação. São normalmente gente que
fez acontecer, que correu riscos, que foi chamada a escolhas difíceis em nome
de princípios e valores e que com o tempo e a sabedoria se foram tornando
espíritos cada vez mais abertos, tolerantes, capazes de escutar e de aceitar
com bonomia novas ideias, novos pontos de vista e novos protagonistas.
Comparem os “senadores” com os “tiranetes”.
Estes foram quase sempre fiéis ao soprar do vento, submissos aos poderosos,
calculistas nas escolhas, até conseguirem uma posição que lhes deu o estatuto
de poderosos e puderam aceder à sua vez de secar tudo e todos que não se
submeteram à sua fome de vassalagem.
Este ano li (ou pareceu-me que
li) mais narrativas em que esta dicotomia entre os senadores e os tiranetes era
evidente. A história guarda registo de personagens dos dois tipos. É quase
sempre uma síntese das relações de poder, e nas relações de poder não há quotas
preferenciais para os justos.
Contudo os “senadores”
deixaram marcas para além da história. Criaram escola, inspiraram, transformaram
e sobreviveram na vontade de fazer de quem os seguiu e segue geração após
geração.
Os tiranetes também sobreviveram. São como estátuas.
Lembram-nos que na vida nada está conquistado. É preciso lutar por um mundo
melhor todos os dias.
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