A "Carne é Fraca" - O escândalo da carne brasileira e o Mercosul
2017/04/01 10:31
| Diário do Sul, Visto do Alentejo
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“Carne
Fraca” foi a designação atribuída pelas autoridades judiciais brasileiras a uma
operação que identificou fraudes diversas nalguns lotes de carne de vaca e de
frango exportados pelo Brasil para a Europa e outras regiões do globo. O que
sucedeu é lamentável. De positivo apenas a aparente eficácia da operação que
detetou a fraude e a rápida reação das autoridades que suspenderam empresas,
lançaram auditorias e processaram os funcionários do Estado envolvidos.
Como
Vice-Presidente da Delegação para as relações entre a União Europeia e o Brasil
envolvi-me na análise da situação, falei com responsáveis brasileiros e
europeus e recolhi informação sobre a situação.
Uma vez
efetuada e divulgada pelas autoridades brasileiras, a investigação judicial é
uma peça chave do processo, e sem me querer imiscuir na soberania de um País
terceiro, é fundamental que possa ser credível e transparente para minimizar os
danos causados à fileira no Brasil e em toda a América-Latina.
Uma outra
dimensão do escândalo é a impacto que poderá ter na segurança alimentar no
Brasil ou fora dele. Os dados preliminares conhecidos mostram que os aditivos e
as práticas ilegais foram expedientes para aumentar margens e capacidade
concorrencial de forma fraudulenta, mas ainda não foram demonstrados os
potenciais efeitos cancerígenos desses aditivos nem se conhecem casos graves de
perturbação do estado de saúde de quem consumiu a carne adulterada.
Quando um
País ou uma região produtora de carne ou de qualquer outro produto com elevado
peso no comércio mundial têm um problema de certificação ou de sanidade, é
normal que os concorrentes procurem tirar disso partido, ganhando mercados de difícil
acesso. Não é estranho por isso ver em muita imprensa referências à
oportunidade que o escândalo traz para um aumento, mais ou menos
circunstancial, do aumento da exportação da carne portuguesa ou da carne
europeia para mercados pontualmente fechados à carne brasileira e dos países
vizinhos. Nada que os latino-americanos não fariam também se a situação fosse
ao contrário.
O que é
preocupante é a tentativa de alguns usarem este caso como arma de arremesso
para pôr em causa o acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul
(Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai e Venezuela, esta última atualmente
suspensa), o qual depois de duas décadas de aturadas negociações começa a ter
condições de ser assinado até ao final do corrente ano.
Eu sei que
a “carne é fraca” e um acordo com a envergadura daquele que está a ser ultimado
entre a UE e o Mercosul tem vencedores e perdedores. Mas na atual ordem
económica e política mundial deixar escapar uma aproximação estratégica entre a
Europa e uma parte importante da América Latina por calculismos setoriais e
expedientes de curto prazo, seria, a acontecer também um grande escândalo. Uma
visão fraca sobre o que está em causa com a “carne fraca”.
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