A Boa Receita
Não nasci com dotes para a culinária, para a alquimia da mistura dos alimentos, dos condimentos, dos sabores, dos odores e dos demais despertadores dos sentidos. Não é por isso sobre uma receita de “chefe” ou sobre qualquer outro grau de qualificação para a cozinha que versa este texto. É antes, penso que sem surpresa para os meus leitores, sobre a alquimia das ideias e das reflexões com que se faz a política e se desenvolve o espaço das ideias.
A pandemia forçou a mudança de muitas práticas de ação em diversas atividades e a atividade política não foi exceção. O exemplo do Parlamento Europeu, que conheço por vivência própria, ilustra bem como a força da necessidade e a radical evolução tecnológica, tornaram possível por em prática metodologias e soluções inovadoras, que permitiram manter o seu funcionamento e continuar a cumprir a sua missão política e institucional.
Dito isto, nada substitui o contacto direto com as pessoas e com a realidade e nas reuniões a erosão da empatia nos procedimentos online empobrece a dinâmica e a profundidade da comunicação e do processo de decisão, mas, como diz o povo “quando não se tem cão se caça com gato” e o “felino” tecnológico foi fundamental para manter muitas empresas, organizações e serviços a funcionar, auxiliar o sistema educativo, proporcionar plataformas de debate e troca de ideias, ligar amigos e familiares afastados pelas regras da distância social e manter à tona o funcionamento da democracia representativa.
Com a esperada retoma da normalidade sanitária emergirá uma nova normalidade política, económica e social, que beneficiando do decisivo e salutar regresso ao presencial, incorporará também muitas das aprendizagens e das experiências virtuais para melhorar processos, práticas e resultados.
A democracia representativa tem agora uma oportunidade única de criar condições para que os representantes tenham um contacto mais próximo, interativo e frequente com os representados. Ao mesmo tempo abrir-se-ão novas possibilidades para o exercício da democracia direta sempre que as circunstâncias o recomendem ou exijam.
Os modelos representativos pré-pandémicos estavam demasiado perros e fechados sobre si próprios. A democracia direta está profundamente exposta à desinformação focada na gestão emocional e casuística da opinião pública. A boa receita tem que usar as novas janelas virtuais como ferramentas para melhorar as práticas politicas de proximidade, sem pôr em causa os alicerces da representação e da legitimidade, que são o esteio das democracias saudáveis.