A Raposa e o Galinheiro
Quando alguém ou alguma organização muito interessada em usufruir de algo que se pretende que lhe seja vedado, fica encarregue de garantir a segurança do processo, diz-se normalmente que se colocou a raposa a tomar conta do galinheiro.
Uma das tarefas que os meus pares no Parlamento Europeu me atribuíram recentemente na Comissão de Indústria, Investigação e Energia de que sou membro efetivo, foi a de ser o relator da proposta legislativa que regulamenta os mercados digitais.
Na organização institucional europeia, a iniciativa legislativa cabe à Comissão Europeia e a aprovação final das leis e regulamentos tem que ser feita por acordo entre o Parlamento e o Conselho, com a assistência técnica da Comissão, nos designados trílogos. O caminho até chegar a um trílogo, é um exemplo de negociação densa, que torna o processo democrático europeu por vezes lento, mas extremamente participado e representativo.
No caso do regulamento dos mercados digitais, a proposta base da Comissão Europeia, tendo em conta a enorme complexidade da tarefa num quadro de enorme aceleração tecnológica, de fluxos de negócio e de desenvolvimento de plataformas dominantes à escala global, resolveu inverter a lógica e colocar as raposas a guardar os galinheiros. É uma opção arriscada, corajosa e talvez a única possível no atual contexto digital.
Assim, as plataformas (operadores de mercado) mais poderosas, ou seja, aquelas que têm um impacto significativo no mercado interno, operam uma ou várias portas de acesso importantes para os clientes e assumem uma posição enraizada e duradoura nas suas operações serão nomeadas controladoras de acesso, sendo obrigadas a garantir que não há distorções ou manipulações pelos vários agentes.
Estes “polícias”, que para o serem terão que ter um enorme volume de negócios, atuar em vários Estados Europeus e servir muitos milhões de utilizadores finais ou milhares de utilizadores profissionais, serão sujeitos a apertada vigilância na sua ação e sujeitos a pesadas multas e sanções se prevaricarem.
Este não é um espaço para considerações técnicas ou jurídicas. Nela apenas quero chamar a atenção de forma simples para esta forma de tentar garantir que a concorrência nos mercados tradicionais continua a ser garantida nos mercados digitais.
A solução encontrada foi colocar as raposas a guardar os galinheiros, sabendo que não poderão cobiçar galinha alheia sob pena de terem o caldo entornado. Admirável (e estranho) este mundo novo.