Marcelo, Melão, Habitação
Para Marcelo Rebelo de Sousa o novo pacote legislativo apresentado pelo governo para fazer face às dificuldades de cada vez mais pessoas acederem uma habitação digna é “como um melão, só se sabe se é bom depois de o abrir”.
Se assim for, seja ele de casca grossa ou de casca fina, não basta ficar à espera da estação mais conveniente para o provar. Convêm cuidar da qualidade da variedade, da semente, do terreno, da boa irrigação, do momento da apanha, do transporte, do armazenamento e também do momento do consumo.
O pacote de medidas apresentado pelo governo, pela sua ambição e latitude merece análise cuidada e e debate franco, sem com isso pôr em causa a urgência de umaconcretização que necessita do contributo de todos, do confronto democrático de perspetivas e de interesses e da construção de compromissos sólidos. Ficar a assistir na bancada até que fruta amadureça pode ser confortável, mas não é a atitude certa para o momento. Muito menos é adequado o choradinho dos que dizem que não foram ouvidos antes da sementeira, se a exigiam para ontem e pouco têm feito para cuidar dos seus próprios meloais.
Quem segue o que se passa um pouco por todo o mundo e em particular nas grandes metrópoles, sabe que o acesso à habitação é uma das questões mais complexas e ao mesmo tempo mais desafiantes para assegurar princípios básicos de uma sociedade democrática e progressista, como a dignidade nas condições de vida e a igualdade de oportunidades.
As grandes cidades tendem a descolar dos mercados imobiliários locais e a ficarem dependentes de padrões internacionais que atiram para periferias cada vez mais alargadas os detentores de rendimentos médios ou baixos. Não há uma solução milagrosa para garantir o direito à habitação, e mesmo as propostas que decorrem de muito trabalho e vontade política, exigem tempo e coragem para serem capazes de transformar os modelos de organização social, mobilidade e afetação dos espaços e dos recursos disponíveis.
As oposições cumprem o seu papel ao serem exigentes perante um governo que tem um mandato robusto para governar outorgado pelos portugueses. Lamentável é que não sejam tão exigentes consigo mesmas como são com o Governo. O seu comportamento, cada vez mais generalizado e apenas diferenciado num ou outro verbo ou adjetivo não levanta âncora do preguiçoso postulado de que “se vem do governo é contra”, seja o que for que de lá venha, e seja qual for a importância do que está em causa para quem os mandatou. Este “melão” interessa a todos. Cuidemos dele com afinco.