Reflexões Estivais
2020/08/01 08:25
| Diário do Sul, Visto do Alentejo
| Link permanente
Estou tecnicamente em férias. Nos dias que correm, sobretudo para quem exerce uma profissão sem horário rígido ou tarefas protocoladas é cada vez mais difícil traçar de forma clara a linha que separa as férias do tempo corrente. É uma questão de atitude e para quem pode, também uma questão de latitude ou longitude. Os que têm essa possibilidade, e este ano há mais a não poderem, devem por sanidade mental e respeito por si próprios e pelos outros, baixar a guarda, mergulhar nos livros, nas paisagens, nos mares ou nos rios, nos sonhos e nas aventuras, nos caminhos nuncaantes percorridos.
Todos nos dizem que se tivermos a oportunidade de ter férias devemos desligar. Pelo menos devemos tentar.Desligar é a oportunidade de voltar a ligar e preparar os tempos diferentes que se avizinham. É isso que tenho tentado fazer e é por esta vereda que vou nesta partilha estival.
São cada vez mais publicitados os retiros organizadospara proporcionar o corte com o efémero e amenizar a dependência da atualidade. Mesmo em férias o nosso instinto liga-nos permanentemente à consciência do que se passa para além do espaço e do tempo em que estamos. Seja uma conversa ocasional, uma notícia na rádio, uma mensagem no telemóvel, uma imagem no ecrã, uma intuição ou uma perceção, não faltam interruptores para ligar a nossa mente ao sentido que em cada momento define e nossa vida. Não tiramos férias do que somos e somos cada vez mais também o resultado da informação a que acedemos e do conhecimento e valores com que a interpretamos.
As férias podem e devem sempre que possível continuar a ser um corte com a rotina. Não podendo ser um corte com a realidade que nos inunda mesmo que lhe tentemos barrar todas as portas, que sejam pelo menos um momento de limpar o ruído acumulado na nossa conexão com essa realidade. De a reinventar. De a adaptar aos novos desafios.
Todos os anos são únicos e especiais, mas 2020 trouxe desafios inesperados de sobrevivência a cada um de nós, ao mundo tal como o conhecemos e à humanidade que integramos. Temos a tarefa suprema de resistir com lucidez e transformar com ousadia. Por isso esta passagem estival, que espero não seja uma ponte entre vagas pandémica, deve permitir-nos fazer em nós e junto de quem nos rodeia a ponte para um tempo novo. Para desligando e reconectando nos reinventarmos. Para mobilizando e agindo, ajudar a pintar o mundo que vai emergir da crise com novas cores de justiça, solidariedade e humanismo.
Comentários