Marte é já ali (E a Terra é já aqui) !
Nos últimos tempos a humanidade, confrontada na terra com desafios climáticos e pandémicos tremendos, tem vindo a acelerar a prospeção espacial. Várias missões têm sido realizadas para conhecer melhor Marte. Foi particularmente espetacular a aterragem no designado “planeta vermelho” do robot “Perseverance” no dia 18 de fevereiro, gravada e divulgada pela NASA, num vídeo impressionante, a que chamaram os “sete minutos de terror”, título bem demonstrativo do risco e da ousadia tecnológica da operação.
A exploração espacial é uma prova da vitalidade científica da humanidade. Os avanços tecnológicos que essas missões refletem e permitem reforçar são enormes. A dimensão comercial das iniciativas está também cada mais presente, lado a lado com um caleidoscópio de outros impactos, designadamente no domínio da “guerra das estrelas” em que avulta a dimensão de afirmação geoestratégica das várias potências e dodesenvolvimento de dispositivos de segurança e vigilância mútua.
A confiança de que em breve um numero significativo de humanos poderá viajar e até permanecer em Marte, tem vindo a tentar alguns excêntricos, já inscritos para essas viagens preliminares. Ao pensar com inegável curiosidade e até algum deslumbramento nestes avanços espaciais, veio-me à memória a data de 20 de julho de 1969 em que o homem pisou a lua pela primeira vez. Segui na altura, tinha 10 anos, essa chegada na televisão a preto e branco de uma montra perto da casa onde vivia. Eram outros tempos.
Hoje quase todas as casas têm televisões a cores para ver as novas aventuras no espaço, mas o preto, o branco, o cinzento e outros matizes de desencanto e tristeza tomaram conta de muitas vidas, tocadas pelas malfeitorias económicas, sociais e de saúde, provocadas pelo COVID19.
Talvez por ter bem presente este contraste, lembrei-me de uma frase de José Saramago proferida em 8 de outubro de 1998, na academia sueca, na cerimónia em que foi galardoado com o prémio Nobel. Disse Saramago, “chega-se mais facilmente a Marte de que ao nosso semelhante”. Se assim o sentia o escritor no final do seculo passado, muito mais razões teríamos nós para o sentir agora, que a tecnologia evoluiu de forma disruptiva e as desigualdades e vulnerabilidades de muitos dos nossos semelhantes também.
Não abandonemos os caminhos de Marte. Mas sejamos, agora mais do que nunca, solidários com os nossos semelhantes. Nesta pandemia, como no desafio mais alargado da sustentabilidade da vida no planeta Terra, enquanto não estivermos todos protegidos, ninguém estará. Marte é já ali, e a Terra é já aqui.