Àfrica "Minha"
2016/06/18 08:52
| Diário do Sul, Visto do Alentejo
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Vivi parte significativa da minha infância e início de adolescência em
África (Moçambique e Angola). Quem viveu em África nunca mais deixa de ter
consigo a marca da vastidão, das cores, dos cheiros e dos sons duma terra
abençoada.
Nas minhas Funções Parlamentares voltei entre 10 e 15 de Junho a
África, mais propriamente à Namíbia, para participar em Windhoek na 31ª
Assembleia Parlamentar entre a União Europeia e os Países ACP (África, Caraíbas
e Pacífico). A vida profissional e política tem-me permitido voltar a África
com alguma regularidade. Em boa verdade, às diversas “áfricas”, com
caraterísticas regionais bem diferenciadas, que constituem o grande continente
africano.
O mosaico africano é hoje uma terra
paradoxal. O continente do futuro segundo muitos, mas ao mesmo tempo um
continente amarrado pela ganância global pela exploração dos seus recursos e
pelas fragilidades locais na defesa desses recursos.
Os debates principais ocorridos na Assembleia de Windhoek refletiram
bem os principais paradoxos que afligem hoje o continente. As migrações
forçadas pela guerra ou pelas mudanças climáticas. A tendência para a
perpetuação dos altos dirigentes no poder, alterando em muitos casos os limites
constitucionais dos mandatos. A fragilidade das sociedades civis que impede uma
governação mais participativa. A falta de qualificação da maioria da população e
a extrema desigualdade entre os ricos e os pobres no acesso aos bens
necessários a uma vida digna. A dependência extrema das economias em relação à
exportação de matérias-primas num processo controlado por empresas
multinacionais.
No contexto da participação nos trabalhos da Assembleia, pude realizar
duas visitas a projetos apoiados pela União Europeia, cujo contraste ilustra
bem a realidade paradoxal que referi antes, mesmo sendo a Namíbia um dos países
com melhores indicadores de desenvolvimento em todo o Continente.
Na Universidade de Ciências e Tecnologias da Namíbia assisti ao
despontar de interessantes projetos de adaptação das energias renováveis à
realidade africana, que podem permitir levar energia a populações dispersas e
melhorar a qualidade de vida de milhões de pessoas. Na clinica de Okuryangava verifiquei como 3 médicos com recursos mínimos procuravam responder
à má nutrição infantil que atinge um quarto das crianças e ao desespero de
milhares de mães sem recursos para alimentar os seus filhos, com a agravante de
muitas delas portadoras do Vírus da Sida.
Quer na Universidade quer na Clínica, no meio da esperança ou da
adversidade, encontrei sempre olhares profundos e densos, projetados na lonjura
e agarrados ao momento. Olhares paradoxais, mas cheios de luz. África “Minha”.
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