No Lugar do Outro
A fronteira entre a confiança e a desconfiança e entre a euforia e o desalento são cada vez mais ténues nas sociedades contemporâneas. Em Portugal, pela nossa natureza emocional, esse fenómeno tende a ser ainda mais nítido do que noutras paragens.
É publico e notório, e não é de hoje, que existe uma agenda global para destruir o Estado de Direito, livre, digno e humanista. Temos, no entanto, que ter a humildade de reconhecer que essas agendas bebem grande parte do seu fulgor nos erros dos regimes democráticos. Este primeiro passo é fundamental se quisermos dar luta e não desistir de os defender e melhorar.
As sociedades abertas estão mais desiguais que nunca. As desigualdades que crescem exponencialmente e ao ritmo da aceleração tecnológica são pasto explosivo para a desinformação e a manipulação de perceções, potenciando o discurso de ódio e a fratura entre um “nós” que tipifica as supostas vitimas e um “eles” que agrupa os algozes, mesmo os que foram eleitos em voto livre e secreto para representar a diversidade do tecido económico, social e político.
Olhando para a espuma dos dias no nosso País, ouvindo com fragor o rasgar dos laços de confiança e percebendo os sintomas de descredibilização democrática, quase 50 anos depois de abril, não vejo outro remédio de reversão do que puxar pela empatia e pela capacidade de cada um se colocar no lugar do outro.
Os agentes da democracia representativa, e em particular os que detêm mandatos de decisão executiva, têm que ter a capacidade de se colocarem no lugar do outro, em vez de criarem uma barreira de defesa abstrata de números, metas ou proclamações. Da mesma forma, os vários segmentos da sociedade, com as suas aspirações e reivindicações, também não podem deixar de fazer o exercício de se colocarem no lugar de quem decide e avaliarem a complexidade e as implicações sistémicas das decisões que têm que ser tomadas.
Ao longo da minha vida desempenhei várias funções políticas de carater executivo. Procurei sempre colocar-me no lugar dos que me pediam decisões, em particular decisões relativas a apoios, carreiras, remunerações, para lhe poder também eu solicitar, no momento da negociação, que fizessem o exercício de se colocarem no meu lugar e terem noção da floresta para além da árvore.
Não há soluções mágicas, mas perante uma crise grave de confiança, a capacidade de nos colocarmos no lugar do outro é uma lufada de ar fresco e uma atitude que pode ajudar a retomar o caminho da liberdade com responsabilidade de que muitos nos querem fazer descarrilar.