Muros
2015/08/31 00:29
| Diário do Sul, Visto do Alentejo
| Link permanente
No dia 9 de Novembro de 1989 a força conjunta e o desejo de liberdade
individual e coletiva dos Europeus do leste e do oeste, derrubaram o muro que
separava a Europa democrática da Europa subjugada ao modelo de partido único e
ao centralismo soviético.
A queda do Muro de Berlim permanece na minha memória como um dos
momentos de maior alegria e esperança no futuro. Tinha então 30 anos e acreditei
que o desmantelamento pedra por pedra do Muro de Berlim seria um ponto de não
retorno. Acreditei que a minha geração e as gerações seguintes não voltariam a
permitir que novos muros de intolerância fossem construídos na Europa e no
Mundo.
Permitiram. No dia em que escrevo este texto a Hungria terminou a
primeira fase da construção de um “muro” de cimento e arame farpado que separa
este País da vizinha Sérvia, na fronteira entre a União Europeia e os Países
candidatos a integrá-la.
No coração da Europa e com um silêncio e uma cumplicidade inaceitável
de muitos dos seus líderes (e sejamos claros … com uma indiferença arrepiante
de muitos dos seus cidadãos), está a nascer um monumento ao horror e um símbolo
chocante do que nunca deveria voltar a ser a relação entre povos no Mundo em
geral e no Continente Europeu em particular.
Ao mesmo tempo que o Primeiro-Ministro Húngaro Victor Orban e os seus
aliados por ação ou omissão (em que se inclui o Governo Português, do qual não
se ouviu um palavra ou um esboço de protesto pela “obra”) constroem o novo muro
da vergonha, o mar mediterrânio transforma-se num cemitério quotidiano e os
barcos ou os camiões “negreiros” voltam a cruzar as estradas e os oceanos
comerciando agora com pessoas de todas as raças e credos, e com a sua ânsia
legítima de realização, dignidade e felicidade.
O comportamento da Europa face às migrações mostra que a nossa cultura
e a nossa identidade está à beira de um precipício. A fronteira entre a
liderança europeia de uma nova era de paz, tolerância, respeito pelos direitos
humanos e pelo planeta e o mergulho num tempo de escuridão e retrocesso é cada
vez mais um caminho estreito.
Os gestos e as decisões nos próximos meses serão decisivos. Os gestos
dos líderes e os gestos de cada um de nós nas escolhas democráticas que seremos
chamados a fazer e na ação cívica que seremos desafiados para desenvolver.
Europa líder dum tempo de tolerância e desenvolvimento ou Europa
mergulhada nas trevas da intolerância e do retrocesso? Os dois cenários são
possíveis e cada um de nós com as suas escolhas e com o seu envolvimento é
parte da decisão.
Somos protagonistas dum tempo extraordinário. Está nas nossas mãos
tornar os muros naquilo que eles são. Aberrações que testemunham a vertigem do
poder. Barreiras de iniquidade construídas para serem derrubadas. Para que
democraticamente as derrubemos.
Comentários