A Dança dos Comissários - dez dias que abalaram a EU (texto publcado no Expresso de 11/10 - pg39
2014/10/12 16:20
| Malha Larga
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O Parlamento Europeu conseguiu no início do actual
mandato duas vitórias históricas. A primeira vitória consistiu em ter
"imposto" como Presidente da Comissão Europeia Jean Claude Juncker, o
candidato a presidente apoiado pelo grupo político que obteve mais votos no
escrutínio popular realizado nas eleições europeias. A segunda vitória foi ter
obtido um compromisso com um ambicioso programa para o mandato de Juncker, que
prefigura o início de um novo ciclo de recuperação e mobilização na Europa dos
28.
O Conselho Europeu e a Comissão cessante poderiam e
deveriam ter aproveitado este novo fôlego para dar um impulso de esperança e
acção conjunta à UE. Infelizmente não o fizeram. Valorizaram mais a sua
"derrota" institucional que a vitória duma nova forma de olhar o
futuro, mais próximo dos cidadãos e das suas necessidades.
A fraca qualidade média dos Comissários indigitados e as
dúvidas de caracter ético ou de conflito de interesses que sobre muitos
impendem constituem, na minha perspectiva, uma tentativa de travagem das
prioridades expressas pelo Parlamento Europeu e pelo Presidente da Comissão.
Durante dez dias o mundo (diria antes, o pequeno mundo que ainda segue
estas questões determinantes para o nosso futuro comum) assistiu ao desfilar de
audições de Comissários, muitas das quais verdadeiramente surrealistas, ou
porque os inquiridos não tinham a preparação e a experiência mínima exigível
para se ser um bom Comissário Europeu, ou porque tendo essa preparação foram
colocados em pastas cujo conteúdo não dominavam ou dominavam excessivamente
(possível conflito de interesses).
No meio da volatilidade, duas questões chave permanecem como referências
para compreendermos o que podemos esperar das instituições europeias nos
próximos anos.
Em primeiro lugar, resistirá a ambição de liderar o crescimento verde e
azul expressa por Juncker a um contexto de predominância de comissários que
acreditam que o equilíbrio das contas públicas se consegue com cortes e ajustes
nominais e não com a promoção de economias saudáveis? Resistirá ainda ao
contravapor da Comissão cessante que, para usar um exemplo marcante, não se
coíbe de analisar o apoio em fim de mandato à construção de novas centrais
nucleares quando Juncker propõe uma União que seja líder global nas energias
renováveis?
Em segundo lugar resistirá a prioridade dada por Juncker ao crescimento e
ao emprego, aos falcões da austeridade que, tudo leva a crer, assumirão a
coordenação transversal da política monetária na nova Comissão?
O que ficará depois do "tsunami" com que o Conselho quis arrasar
o acordo alargado para o novo ciclo que se traduziu na eleição de Juncker?
Saberemos em breve. Os comissários
não "dançam com lobos" nem bailam entre si. Dançam connosco, com as
nossas vidas em concreto, com a nossa qualidade de vida, com o futuro dos
nossos filhos e com o futuro da Europa e do mundo. Podem ser frouxos mas não
são irrelevantes. Ficarmos atentos ao uso que será dado às escolhas que fizemos
é um dever.
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