Portugal, o país-rede em risco (texto publicado no Semanário Expresso 8/11/14 pg.34
2014/11/08 11:53
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Portugal afirmou-se sempre ao longo da sua história como
um país-rede. Uma plataforma de
comunicação e troca de culturas, de saberes e de comércios que lhe
garantiu a identidade e a própria soberania. Foi essa textura reticular,
interativa, cerzida e sedimentada pelo tempo, que permitiu aos portugueses
vencerem múltiplos desafios e adversidades. Não raras vezes, contra ventos e
marés.
Consciente dessa realidade, terminada a fase do império
colonial, Portugal apostou fortemente no reforço das redes internas e de
ligação ao exterior. Nuns casos essa aposta transformou-se em realidades
concretas e competitivas. Noutros casos. as apostas não passaram do papel.
Entre os projetos-chave inexplicavelmente adiados, o mais
marcante terá sido o falhado desenvolvimento das redes ferroviárias
transeuropeias. Sérias consequências e
prejuízos acarretará essa omissão, se não for corrigida, por exemplo na
optimização da rede de portos e, em particular, do Porto de Sines.
No entanto, existe trabalho meritório realizado em tempo
útil na generalidade das redes. Alguns alegam que terá havido um excesso na
aposta rodoviária, mais evidente talvez na malha interna do que na malha de
ligação externa.
No domínio dos portos e dos aeroportos é um facto
indesmentível que Portugal conseguiu obter ganhos de eficiência e de
acessibilidade muito importantes nos últimos
25 anos. Lisboa transformou-se no primeiro porto de cruzeiros da Europa
e a TAP posicionou-se como companhia de charneira das conexões europeias com o
Brasil e com os restantes países de língua oficial portuguesa. O 'hub' de
Lisboa constitui hoje a base estratégica para a sua sustentabilidade
global.
Um destaque particular merecem os resultados conseguidos
nas redes de nova geração. Nas redes de energia, Portugal é já uma referência
global, com uma capacidade fortemente
potenciada após a interconexão com as redes de alta potência de além-Pirenéus.
Nos fóruns internacionais em que se discute a resiliência
das redes de distribuição de energia face à volatilidade das renováveis, o
conhecimento português é sempre causa de admiração. Felizmente, também, isso
traduz-se cada vez mais em oportunidades de negócio.
A rede nacional de distribuição de energia está carregada
de conhecimento e de inteligência, o que lhe permite acomodar períodos em que
toda a electricidade consumida é de origem renovável com taxas médias que
ultrapassam os 50%. Aos países da UE que resistem à meta de 27% de incorporação
de renováveis, com o argumento da resiliência das redes, Portugal já demonstrou
que está descoberto o caminho tecnológico para produção de energia de fontes
múltiplas.
E descoberto está também o caminho para a colocação
inteligente de redes de telecomunicações. A qualidade das comunicações e do acesso
à banda larga em Portugal é uma enorme vantagem competitiva e tem permitido
atrair a localização de grandes centros de dados e de prestação global de
serviços baseados em informação.
Mas esta história de sucesso de um país que está melhor
preparado para os desafios da sociedade da informação e do conhecimento do que
para os desafios da sociedade industrial, tem um senão. Os activos críticos
para este desígnio estão a ser alienados de forma irresponsável por quem nos
governa. Primeiro foi a REN, prepara-se agora para ser a PT e depois a TAP.
Tudo isto sem que pelo menos tenha sido regulamentada e aplicada a cláusula de
salvaguarda estratégica que consta da Lei das Privatizações.
Somos um país- rede mas quem nos governa não hesita em
alienar aquilo que nos diferencia. É preciso travar esta onda para podermos
prosseguir os caminhos do futuro. Se não
o fizermos, encontrá-lo-emos definitivamente bloqueado pelos erros do presente.
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