Beirute (o ângulo efémero)
Há imagens que jamais nos sairão da cabeça. Grandes e pequenas conquistas. Grandes e pequenas tragédias. Ocorrências cuja força nos trespassa e acorda para o efémero pleno de que é feita a vida, mesmo quando a soma das múltiplas sobrevivências lhes consegue dar lastro e longevidade.
As brutais explosões de Beirute, com mais de uma centena de mortos, milhares de feridos e de desaparecidos e uma destruição arrasadora de um pedaço substancial da cidade capital do Líbano é uma dessas imagens, de sofrimento, de dor, de raiva, de impotência, de um horror grotesco que espoleta umahipnose coletiva, como se o mundo parasse para nós podermos ver como tudo pode mudar num sopro.
As imagens de Beirute lembraram-nos entre outras tragédias, o colapso das torres gémeas de Nova York em 11 de setembro de 2001. Pelo facto de seremprofusamente filmados e divulgados, acontecimentoscomo estes colocam-nos frente a frente com o sentido da vida e com a sua insustentável fragilidade. Um segundo antes tudo era normalidade. Um segundo depois tudo era outra coisa, ou para os que pereceram, coisa nenhuma neste plano da existência.
Esta não é uma reflexão sobre as causas do que aconteceu. Pode ter sido uma cadeia de ocorrências fortuitas e pode ter sido tantas outras coisas, incluindo uma cadeia de factos em que uma pequena intervenção intencional gerou a carambola da morte. Mesmo que se venha a consolidar uma explicação oficial, tal como aconteceu com as Torres Gémeas, ficarão sempre a pairar tantas perceções quantos os ângulos com que a explosão foi vista, sentida e filmada.
A história recente de Beirute, que só conheço pela literatura e pelos relatos de quem lá esteve, tem sido marcada por uma sucessão de vagas de destruição que a transformaram numa cidade mártir, vespeiro de lutas de inspiração religiosa e destino primeiro das ondas de choque do conflito israelo-palestiniano.
Amin Maalouf, no seu livro recente “O naufrágio das civilizações” (Marcador, 2020) partilha uma análise lúcida, serena e desafiante sobre como a incapacidade do mundo em promover a paz e a reconciliaçãonaquela região tem feito alastrar as sementes do ódio atodo o globo. Beirute pode ter sido um acidente, mas oque sentimos e a forma como nos marcou não foiacidental.
O efémero só se combate com um sentido de bem comum. Precisamos de reforçar os elos da paz e da compreensão entre os povos, na alegria e na tragédia.