Ébola
2014/10/19 11:53
| Diário do Sul, Visto do Alentejo
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O Rio Ébola é um rio que se espraia pelo norte do Congo e é afluente do
grande rio africano com o mesmo nome. Para não associar o nome da localidade em
que ocorreu o surto de 1976 ao vírus mortífero que então foi pela primeira vez
identificado, os investigadores chamaram Ébola, um rio próximo, a um vírus
cujas características de propagação e taxa de mortalidade associada estão a
aterrorizar o mundo.
Desde 1976, ano em que primeira vez foi identificado o vírus Ébola, ocorreram
muitos surtos da doença, uns mapeados pelas organizações mundiais de saúde e
outros eventualmente não. Só desde 1994 foram identificados oito surtos no
Gabão. No Congo e no Uganda. Embora muito mortíferos, os surtos foram sempre
confinados. O maior número de vítimas identificado aconteceu no surto de 1995
no Congo (então ainda Zaire) em que morreram 256 pessoas.
O surto atual que tem focos ativos na Libéria, na Serra Leoa e na
Guiné-Conacry e já se disseminou para outros países da região e para outros
continentes ainda que através de casos pontuais, já terá morto mais pessoas que
todos os anteriores juntos.
O que mudou para que isto tenha
acontecido? Não quero neste texto fazer qualquer considerando técnico. Nada me
qualifica para opinar sobre epidemiologia. A minha perspetiva é um misto de
análise social e politica.
A expansão global do vírus com um impacto enorme na saúde mas também na
economia, resulta do desenvolvimento de dois fenómenos que em conjunto são
explosivos. A globalização, que gerou um brutal aumento da mobilidade e ao
mesmo tempo um significativo aumento da desigualdade.
No passado, as bolsas de pobreza extrema existentes nalgumas zonas do
globo estavam muitas vezes longe do coração, longe da vista e longe de poderem
perturbar os grandes territórios desenvolvidos.
Sempre com o apoio inigualável
de missões e gente boa que se dedicou a apoiar os que menos têm, esses focos de
pobreza onde se desenvolviam novas doenças, quando ficavam a uns milhares de
quilómetros das luzes da ribalta, nem eram suficientemente próximos para causar
medo nem atrativos para serem vistos como oportunidade de negócio.
Só assim se explica que desde 1976 até hoje nenhum laboratório tenha
apostado em desenvolver um retroviral eficaz contra o Ébola. A taxa de
mortalidade no recente surto (epidemia – pandemia?) não é muito diferente à que
ocorreu em 1976.
Chegámos a 2014. O Rio Ébola continua a abraçar-se diariamente ao
grande Congo enquanto os que sucumbem ao vírus nem um abraço podem receber no
leito da morte. A natureza relembra a toda a hora à humanidade as suas
limitações e passa-lhe sem dó o preço da sua arrogância.
Mais mortos ou menos mortos, também o Ébola será vencido. Mas
aprenderemos alguma coisa? O modelo social baseado na desigualdade, no consumismo
e no lucro a qualquer preço se não for travado a tempo levará a que toda a
humanidade se contamine pelo vírus pior de todos. O vírus da falta de sentido e
da falta de sentimentos.
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