Sentido de Urgência
2015/03/22 00:17
| Diário do Sul, Visto do Alentejo
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No ser mais recente livro (Flashpoints – The emerging crisis in Europe)[1] –,
George Friedman aborda de forma simples mas muito assertiva a ideia
perigosamente generalizada de que os Europeus do Norte trabalham mais que os
Europeus do Sul. O autor, ancorado em estatísticas fidedignas, demonstra que ao
contrário da opinião generalizada, não existem diferenças significativas nas
horas dedicadas ao trabalho pelos Europeus do Norte e pelos Europeus do Sul.
Em minucia, as estatísticas dizem-nos que os do Norte são mais
produtivos e que os do Sul trabalham mais horas. Em consequência, os do Norte
ganham mais e trabalham menos e os do Sul trabalham mais e ganham menos.
No plano das perceções, que
estão para além das estatísticas, os do Norte não entendem porque é que os do
Sul não produzem mais e os do Sul não entendem porque é que os do Norte querem
acumular tanta riqueza em vez de usarem parte do seu tempo para gastar dinheiro
e gerar procura e oportunidades distribuídas. O que explica este diálogo de
surdos é, segundo Friedman, um diferente sentido de urgência.
Para os Europeus do Norte é o
trabalho que dá sentido à vida, enquanto para os do Sul é a vida que dá sentido
ao trabalho. Esta pequena diferença (aparentemente apenas semântica) tem um
impacto brutal e é um dos germes da incompreensão que está a dividir e a
enfraquecer a União Europeia.
Recentemente integrei a delegação da União Europeia que participou na
Assembleia Parlamentar Europa-América Latina que decorreu na cidade do Panamá.
O sentido de urgência fraturou essa delegação composta por deputados de cerca
de metade dos Países da EU.
De um lado, portugueses, espanhóis e italianos (e ao que me pareceu os
franceses) sentiram-se em casa, como se fossem eles mesmos Membros do Parlatino
(Parlamento Latino que integra representantes de todos os Países da América
Latina). Do outro lado, alemães, austríacos, ingleses, holandeses, suecos e
letões (que me recorde) eram peixes fora de água naquele ambiente cultural. Uns
sabiam que tinham que envolver e seduzir para chegar a consenso. Outros queriam
impor a sua visão e a sua forma de ver o mundo.
O sentido de urgência é mais importante do que parece. Se prevalecer
uma ideia de sociedade em que as pessoas são meros instrumentos ao serviço da
economia não haverá grande futuro para a sensibilidade latina, funda da na
ideia de que é a vida que dá sentido ao trabalho.
Contudo, se cedermos á ideia de que é o trabalho que dá sentido à vida,
numa sociedade em que cada vez mais o trabalho estruturado é um bem raro,
dificilmente evitaremos uma crise brutal e uma fragmentação da Europa e do seu
papel no mundo. Os latinos têm economias mais fracas mas em contrapartidas têm
conceitos de vida mais fortes, se o objetivo for a harmonia e a tolerância
global.
Será que os nossos parceiros do
norte se darão ao trabalho de compreender e valorizar esta diferença virtuosa
de que a médio prazo todos beneficiarão?
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