Em Carne Viva
2017/02/25 08:42
| Diário do Sul, Visto do Alentejo
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Entre 22 e 24 de fevereiro participei em Freetown, capital da Serra
Leoa na décima terceira reunião bilateral entre a União Europeia e os dezasseis
países que englobam a região da África Ocidental. O objetivo da reunião foi
passar em revista a aplicação dos acordos comerciais e de cooperação, avaliar o
seu impacto e preparar a nova geração de acordos pós 2020.
Embora a cooperação direta e o apoio desenvolvido por muitos milhares de
organizações não governamentais tenham contribuído para mitigar os mais graves
problemas de sub-desenvolvimento, largos territórios daquela região são hoje
espaços de desesperança, sobretudo para as novas gerações, que tendo perdido o
seu enraizamento cultural e deslumbrados pelo acesso fácil através da televisão
e da internet ao que acontece noutras zonas do globo, se sentem impotentes para
transformar o sonho que criam em realidade.
Menos de vinte por cento das novas gerações têm um trabalho estável e
mesmo esse, é a maioria das vezes um trabalho remunerado por valores abaixo dos
níveis mínimos para a subsistência digna. As elites dominantes controlam a
mobilidade social e o acesso aos recursos básicos de educação, saúde e bem-estar,
e cerca de metade dos jovens não têm qualquer ocupação na economia empresarial
ou social, mesmo que irregular, sobrevivendo na mescla duma economia de troca e
dependência incipiente.
Este quadro escancara as portas para que sejam facilmente aliciados
pelas redes ilegais de tráfico ou extração, pelos exércitos flutuantes que se
movimentam de guerra em guerra ou pela máquina organizada que promove a
migração de milhares de pessoas, que não tendo nada a perder, nem mesmo a
esperança já destruída de se poderem
realizar na sua terra, se entregam às
redes que comercializam sonhos pelos trilhos de África e pelas barcaças ilegais
com que os enviam em busca das costas da Europa.
É verdade que a União Europeia é a zona do globo que mais afeta
percentagem da riqueza criada à cooperação e ao desenvolvimento e que é
responsável por +muitos projetos exemplares. É verdade que alguns países conseguiram
evoluções notáveis, de que Cabo Verde é um exemplo bem evidente. É verdade que
nos futuros acordos de cooperação, sobretudo tendo em conta o Acordo de Paris,
se deve exigir mais dos Estados e sobretudos das empresas que exploram os
recursos naturais, para que seja assegurada a sustentabilidade económica,
social e ambiental de todos os territórios.
Mas a ausência de razões de esperança para as novas gerações africanas,
desprotegidas pelas elites, ligadas aos sonhos de uma vida diferente pelas
comunicações fáceis, mas desligadas deles pela realidade política, social e
económica que os envolve, é uma realidade chocante. Claro que isto não acontece
só em África e em particular na África Ocidental, mas ali foi onde o senti mais
em carne viva. Só curando estas feridas poderemos combater a indignidade e
turbulência que vai corroendo o mundo em que vivemos.
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